Por Stela Campos
Quando se fala nas características femininas de comando, as primeiras a serem citadas pelos especialistas e pelas próprias executivas são a afetividade, a capacidade de ouvir, de compreender a subjetividade das relações, entre outros elementos relacionados à inteligência emocional. O que geralmente fica de fora dessa lista, em um primeiro momento, é o viés competitivo, ousado e altamente focado em resultados dessas executivas. Isso porque esses aspectos comportamentais estão mais associados ao modo masculino de liderar. As poucas que chegam ao topo das organizações conseguem, no entanto, juntar essas competências àquelas que lhes são mais naturais e, com isso, oferecem um novo frescor às organizações modernas.
O grupo de executivas reunido nesta quarta edição do especial "Valor Liderança - Executivas" representa essa nova face das comandantes de empresas do país. A pesquisa, feita em parceria pelo Valor e pela consultoria Egon Zehnder, com a aprovação de um júri formado por consultores e representantes da academia e do mercado, elegeu dez gestoras que se destacaram na condução de seus negócios no ano que passou (leia sobre os critérios da eleição na página 9). Nas próximas páginas, estão breves perfis dessas executivas, contando um pouco de suas histórias, como galgaram seus postos e o que as diferencia em seu estilo de comando.
A forma como as gestoras que chegaram ao topo percebem a dinâmica de suas organizações é distinta da de seus pares do sexo masculino. Estudo realizado pela pesquisadora Betania Tanure com 250 presidentes, vice-presidentes e diretores executivos de grandes companhias no país mostra que 46% das mulheres entrevistadas não acham que as metas de suas empresas são suficientemente ousadas, enquanto apenas 32% dos homens dizem isso. "Para chegar ao comando, tiveram que mostrar ousadia. Elas não têm medo de metas desafiadoras", diz a consultora. Além disso, também se mostram mais preocupadas que os homens com a execução da estratégia e com o fato de os colaboradores parecerem desconhecê-la. "A mulher é mais aguda na avaliação do processo de comunicação desse objetivo e está mais atenta ao impacto das pessoas no atingimento dessas metas. Ela quer que todos façam parte do jogo."
Maria Eduarda Kertész, presidente da divisão de consumo da Johnson & Johnson, diz que costuma fazer um exercício com o 'board' da companhia que consiste em parar, pensar, olhar o que havia sido proposto e o que está sendo feito. Alguns objetivos que não poderão ser cumpridos são deslocados para o ano seguinte. "Acho importante reconhecer e reajustar metas no meio do caminho. O erro vai acontecer, mas é preciso consertar rápido - e não insistir nele." A executiva diz que a companhia também adota métodos formais que garantem o acompanhamento desses objetivos, como o "roadmap", que reúne tudo o que foi proposto e indica como está o andamento de cada item. "Fazemos isso todo mês no 'board' e todo trimestre no grupo de liderança", explica.
Na opinião da professora Gayle Peterson, diretora do programa "Women Transforming Leadership" (Mulheres Transformando a Liderança) na Saïd Business School, escola de negócios da Universidade de Oxford, no Reino Unido, os tabus em relação ao desempenho das mulheres nas companhias estão caindo. Ela cita uma pesquisa da consultoria Zenger and Folkman que analisou e ranqueou 16 competências essenciais de 7.280 líderes das maiores companhias do mundo, dividindo o resultado entre homens e mulheres. Nela, as executivas superam os colegas em praticamente todas as habilidades, inclusive no que diz respeito a tomar iniciativas e serem mais voltadas para o resultado. "Elas hoje estão, por exemplo, muito mais envolvidas em projetos de inovação", afirma.
O poder das executivas já foi medido em números. A consultoria McKinsey & Co avaliou 345 companhias latino-americanas listadas em bolsa e constatou que o retorno sobre o patrimônio é 44% maior quando há pelo menos uma mulher no comando dos negócios. Já a margem de lucro operacional (Ebit, ou lucro antes de juros e impostos) é 47% superior à das empresas em que o corpo executivo (presidente e executivos que se reportam diretamente a ele) é composto exclusivamente por homens. A ONG Catalyst, por sua vez, concluiu que negócios com uma proporção maior de mulheres nos conselhos superam os rivais em 66% em relação ao retorno do capital investido, 53% em retorno sobre o patrimônio e 42% em vendas.
Além do retorno financeiro, a presença feminina nos comitês dos conselhos ajuda a imprimir um novo olhar sobre as decisões no dia a dia dos negócios. "Elas são capazes de antecipar as consequências sobre as pessoas, enxergar emoções, motivações e o que está acontecendo em um mundo que não pode ser quantificado", afirma a professora Nuria Chinchilla, da escola de negócios espanhola Iese Business School. Uma pesquisa global realizada com mais de 20 mil profissionais pelo Iese Family - Responsible Employer Index (Ifrei) mostra que os chefes que dão mais apoio emocional aos funcionários, tanto na visão dos subordinados homens (35%) como na das mulheres (41%), são do sexo feminino.
Sônia Hess, presidente da Dudalina, conta que em sua companhia as salas não possuem divisórias, o que facilita a comunicação. "A mulher é naturalmente agregadora no trabalho e procura dar um apoio emocional durante o expediente", afirma. Patricia Moraes, do J.P. Morgan, acha importante dar espaço para que as pessoas se sintam à vontade para falar com ela. "Não sou invasiva, mas se vejo que alguém não está bem sou a primeira a sugerir que a pessoa vá para casa." O segredo para aproximar o gestor dos funcionários, segundo Annette Reeves, superintendente da Esmaltec, é saber ouvir. "Tento ajudar na medida do possível e escuto muito para poder ser justa na hora de tomar uma decisão."
As mulheres têm uma percepção mais aguçada das nuances da organização. Segundo estudo de Betania Tanure, 70% delas dizem que as responsabilidades e os papéis não são bem definidos em suas companhias, enquanto essa questão inquieta apenas 48% dos homens entrevistados. "Da mesma forma, elas estão mais atentas à indefinição na estrutura, à duplicidade e à sobreposição de funções", diz a pesquisadora. No geral, as executivas se destacam na administração de expectativas e na mediação das disputas internas. Tania Cosentino, presidente para a América do Sul da Schneider Electric, considera fundamental saber gerenciar conflitos no "dinâmico e ambíguo ambiente de negócios atual". "Bons resultados só virão se você tiver a pessoa certa, no lugar certo e com a orientação adequada", diz.
A flexibilidade para lidar com a falta de estrutura, segundo o estudo de Betania Tanure, é um dom das gestoras brasileiras. O que mais as incomoda é a falta de clareza na comunicação e no jogo de poder. "Elas são preocupadas com a distância entre o discurso e a prática, por isso são mais rebeldes com esse teatro corporativo", diz o consultor Rafael Souto, da Produtive. Para ele, os homens estão acostumados por estar nisso há mais tempo. "Desde a Revolução Industrial, a administração de empresas é uma atividade predominantemente masculina. As mulheres entraram nesse mercado de trabalho praticamente nos anos 1970. A diferença, portanto, ainda é muito grande."
Ao longo da última década, a maneira de fazer negócios no mundo mudou substancialmente. Os avanços tecnológicos, a globalização, o aumento do número de fusões e aquisições e a complexidade das relações econômicas demandaram algumas competências que até então não eram tão essenciais entre os líderes empresariais. Hoje, é preciso estar aberto para interagir com novas culturas, integrar equipes e ler nas entrelinhas. "As executivas têm habilidades importantes para este século, como criatividade, integridade, compaixão, pensamento global, estratégia, abertura, ternura e honestidade", diz Gayle Peterson, da Saïd Business School. Além disso, segundo a professora, elas são capazes de criar uma visão inspiradora tanto para quem está dentro da organização como para os parceiros externos. Cláudio Garcia, presidente da consultoria LHH|DBM, afirma que uma vantagem das gestoras é saber lidar melhor com as questões afetivas, que no fim governam as questões políticas, nas organizações.
Para Marise Barroso, presidente da Masisa, como a palavra de ordem atualmente é sustentabilidade - para o planeta, para o país e para as empresas -, é preciso existir um equilíbrio maior entre os valores femininos e masculinos na gestão. O que ainda não mudou no universo corporativo é o fato de ambos terem de abrir mão da vida pessoal para se dedicarem mais à corporação. Metade dos líderes pesquisados por Betania Tanure no Brasil destinam entre 13 e 15 horas de seu dia ao emprego. A verdade é que o equilíbrio entre casa e trabalho ainda é um sonho para a maioria dos executivos. "É impossível que qualquer presidente de empresa esteja satisfeito com essa divisão", diz Sônia Hess, da Dudalina. Ela diz que sempre passa os fins de semana com a família, mas nunca conseguiu tirar 30 dias de férias. "No máximo, uma semana."
A maternidade é um ingrediente a mais na balança das executivas. Pesquisa com gestoras brasileiras mostra que 44% das que possuem filhos têm um nível de estresse maior do que as que não são mães. A insatisfação com o balanceamento entre vida familiar e profissional atinge 91% das mulheres com filhos de até 10 anos de idade. "As profissionais têm uma ambição maior que os homens no sentido de querer que a vida não seja só trabalho. Elas querem tempo para a família, para os amigos e para a vida social", diz Nuria Chinchilla, professora do Iese. "Tento me planejar para conseguir fazer tudo o que quero. Tem semanas em que sou melhor mãe e há outras em que sou melhor profissional, mas sempre bloqueio a agenda com antecedência para as festas da família, aniversários, reuniões e provas da escola", diz Andrea Alvares, diretora-geral da divisão snacks da PepsiCo Brasil.
A CEO da Tok&Stok, Ghislaine Dubrule, se diz apaixonada por sua área de atuação e não se importa com o volume de horas dedicadas ao varejo. Ela admite, no entanto, que a família sai prejudicada. "Os filhos reclamaram da minha ausência, mas sei que fiz o melhor que pude. As queixas, de todo modo, são sempre voltadas para a mãe", afirma.
O fato de as executivas no topo terem experimentado na pele as dificuldades para chegar lá e de viverem diariamente os dilemas femininos em casa e no trabalho faz com que elas tomem para si essa questão em suas próprias organizações. Deborah Vieitas, diretora-presidente do Banco Caixa Geral no Brasil, observa que as mulheres no alto escalão podem ajudar outras a evoluir na carreira ao transmitir a própria experiência ou por ações afirmativas - como incluir oportunidades de treinamento. "A gente consegue estimulá-las dia após dia", afirma a executiva.
Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza, afirma que tenta atender às demandas específicas delas, como permitir que o estágio de preparação para ser gerente seja perto da casa da funcionária. "Além de dar o exemplo, é importante também ter um cuidado especial com elas."
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Fonte: valor.com.br
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