Por Claudia Penteado
George Bernard Shaw disse que a criatividade desperta a inveja dos deuses. Por isso, a criatividade autêntica requer tanta coragem: porque é uma batalha ativa contra os deuses. Em seu livro “a coragem de criar”, o psicólogo Rollo May disse que as pessoas criativas autênticas enfrentam, de fato, uma “luta”. O pequeno livro desse teólogo e psicólogo americano da chamada linha existencial e bastante popular nos anos 60/70 marcou meu fim de ano e deu vontade de ir mais fundo no tema da criatividade – e procurar ouvir algumas pessoas criativas do nosso tempo e sua relação com o ato criativo.
O livrinho amarelado eu comprei num sebo. Vi logo que pertenceu a uma psicóloga – estava todo escrito, sublinhado. May escreveu o livrinho nos anos 70 e dizia, já naquela época, que a criatividade se tornaria cada vez mais importante no mundo – marcado desde sempre pela ansiedade frente às mudanças e uma espécie de “limbo” que exige coragem para ser superado. Coragem para criar, inventar, descobrir novas formas, padrões, símbolos – e evoluir. Criar é, também, segundo diz May, uma luta contra a mortalidade. Da revolta contra a morte, nasceria o ato criativo. Um desejo intenso de viver além da morte.
Meu interesse no tema me leva a iniciar uma série de entrevistas – primeiro com algumas pessoas “escancaradamente criativas”. Na publicidade, criativo é nome de cargo, criatividade é meio de vida. Não deixa de ser interessante – e certamente uma certa “pressão” – ter a criatividade como missão, descrita como função. Inicio, portanto, pela criação na comunicação publicitária – um dos meus temas favoritos. Mas irei, claro, passear pelas visões de talentos em inúmeras áreas – afinal, a capacidade de imaginar e de criar está em tudo. No trabalho do artista, do pensador, do cientista, no relacionamento entre amantes, entre mãe e filho. É ela que move o mundo.
Rynaldo Gondim é um premiado redator publicitário carioca. Começou sua carreira em 1991, na Mental Mark. Foi um dos responsáveis pelo lançamento da Oi, na agência NBS. Em 2004 foi para a W/Brasil, em São Paulo, convidado por Washington Olivetto. Quatro anos mais tarde foi para a Almap BBDO, onde permanece até hoje. Pilota aviões, diz que trabalhar em criação é uma profissão como qualquer outra. Criar, para ele, é sempre desafiador. É sofrido. Mas seu olhar é descomplicado, de quem vai lá e faz.
Nasce-se criativo ou desenvolve-se a habilidade ao longo da vida?
Gondim – Creio que é uma habilidade desenvolvida com o tempo e que qualquer um é capaz de aprender. Mas se você você tem vocação acaba se desenvolvendo mais, porque tem mais capacidade de trabalho. Vai conseguir ficar mais tempo com a bunda na cadeira sem achar aquilo insuportável.
Criatividade se ensina?
Gondim – Você aprende sozinho, mas acredito que um bom professor pode dar o caminho das pedras. Esse ano inclusive, eu decidi fazer uma experiência. Conversei com meu amigo Miguel Bemfica e vou dar aula na Cuca no segundo semestre.
Você sempre teve esse olhar?
Gondim – Acho que sim. Quando garoto eu gastava toda minha mesada com blocos de A4. Meu irmão mais velho desenhava muito bem e eu tentava seguir os passos dele. Tenho guardado até hoje um desses blocos. Em vez de histórias em quadrinhos, eu usei o bloco inteiro para desenhar outdoors. Eu tinha 8 anos.
Quando percebeu que tinha habilidades para criar, inventar, fazer diferente?
Gondim – Anos atrás fui votar em Del Castilho, no Rio de Janeiro, e reencontrei amigos de infância que eu não via há séculos.
Quando contei a eles o que fazia para ganhar a vida, ninguém ficou surpreso. Muitos disseram que tinha tudo a ver comigo. Fiquei bem feliz em ouvir isso.
Como é seu processo de criação: silêncio, barulho, meditativo, metódico, caótico…conte como você costuma ter boas ideias?
Gondim – Tenho uma boa capacidade de concentração. Muitas vezes fico criando com minha mulher vendo TV ao meu lado. Meu método não é caótico, mas é sofrido. Quando estou com uma campanha grande, eu fico obcecado até encontrar pelo menos uma ideia que eu goste muito. Deixo de pagar contas e adio todos os compromissos possíveis. É um inferno.
Criar sozinho é melhor que em grupos de brainstorming?
Gondim – Eu gosto de criar sozinho. Andery, meu dupla, também. O que é maravilhoso. Criamos separados e nos reunimos uma vez por dia para dividir nossas idéias. Funciona muito bem para nós.
Onde você busca inspiração?
Gondim – Não acredito em inspiração. Poucos dias depois de meu pai morrer eu criei um comercial divertido. E eu não achava nada engraçado naquele momento. É um trabalho como outro qualquer. Você precisa sentar e concluir dentro de um prazo. Não dá pra contar com esse negócio de inspiração.
O futuro é dos criativos ou dos inovadores?
Gondim – O futuro é dos advogados.
Qual a diferença entre ser criativo e ser inovador?
Gondim – Sinceramente, não tenho a mínima idéia.
O que você faria se não estivesse nessa profissão?
Gondim – Provavelmente, seria piloto de linha aérea.
Ganhar a vida com criação é para muito poucos?
Gondim – Acho uma profissão como qualquer outra.
Você tem um pacto com você mesmo de se “reinventar” de tempos em tempos, buscar algo inteiramente novo para fazer, se desafiar?
Gondim – Na verdade, não. Mas de um tempo para cá comecei a ficar mais perto dos profissionais de on line. Mas já cheguei à conclusão que não existe a menor diferença no nosso trabalho. Só muda a plataforma.
Quando você se sente mais criativo?
Gondim – Não tem essa. Cada vez que chega um JOB eu morro de medo de descobrir que sou uma farsa. Fico apavorado, sento e saio fazendo.
Qual o papel do ócio na sua vida?
Gondim – Como todo mundo nesta atividade, trabalho como um cão e não tenho muito tempo de ócio.
O que mais você gosta de fazer quando não está “trabalhando”?
Gondim – Pilotar aviões. E ficar em casa com minha mulher, o que é basicamente a mesma coisa.
O que te interessa mais na literatura e no cinema, por exemplo?
Gondim – Eu vejo tudo quanto é tipo de filme. Adoro ver filmes, especialmente em casa. E leio livro distintos também.
Até biografia que eu não era muito chegado, tenho lido ultimamente.
Cite alguns criativos que te inspiraram ao longo da vida – de qualquer área.
Gondim – Washington Olivetto, Ricardo Gondim, Saint-Exupéry, Richard Bach, Fernando Veríssimo, Mario Vargas LIosa, Gabriel Garcia Márquez, Charles Bukowski, Machado de Assis, Robert A. Heinlein, Cartola e Bono Vox.
Qual o último livro que leu e o que gostou a respeito dele?
Gondim – Acabei de reler o livro do meu irmão, Ricardo Gondim: “B”. Ricardo tem um domínino da forma invejável. Adoraria saber escrever como ele.
Como você se vê daqui a 5, 10 anos?
Gondim – Eu adoro sentar e fazer. Mas sinto que logo, logo serei obrigado a migrar para a direção de criação se quiser estender minha carreira. Mas isso pode ser bastante prazeroso também.
Como você se vê na velhice?
Gondim – Basta olhar para um espelho. Estou com 41 anos.
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