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O Mito do Bem-Sucedido


Por Marina Pechlivanis 

A cada hora aparece no mercado um novo modelo de coisas bem-sucedidas. Surgem em alta velocidade, registram seu marco, qual recorde, e criam alguns mitos contemporâneos — instantâneos. É a campanha que ganhou prêmio não sei onde, o buzz que virou top trends, a promoção que mobilizou não sei quantas pessoas, o produto que foi feito de sei lá quais componentes, a personalidade que fez aquilo outro, a empresa que destinou tanto para a causa tal.

Afinal, considerando uma ação promocional, o que é ser bem-sucedido? É fazer o bem? Vender em demasia? Virar referência? Proteger a natureza? Lucrar muito? Inovar o tempo todo? Distribuir livros para a população? Fazer uma ação de emboscada aproveitando a novela? Qual o parâmetro, considerando que tudo muda o tempo todo?

Ora, diz o velho ditado, só perguntamos aquilo do que temos alguma noção da resposta. Nas palavras do filósofo Luc Ferry, os mitos são “o cerne da sabedoria antiga (…) visando definir os parâmetros de uma vida bem-sucedida para nós, mortais”. Os mitos clássicos, com seus deuses, heróis e jornadas, têm uma dimensão cultural “que fala por si, se consideramos o uso que fazemos em nossa linguagem cotidiana de uma série de imagens, de metáforas e de expressões que pegamos emprestadas sem sequer conhecer seu sentido e sua origem.” 

Ora, e os mitos midiáticos contemporâneos ressignificando as palavras em sentidos efêmeros, campeões de likes e de audiência como Nissin, Tufão e Carrossel? Ficarão para a história? O assunto é complexo, mas nada como um bom exemplo.

Especialmente este, que se utiliza de uma eficiente estrutura mitológica e mercadológica para vender “paz de espírito”: Deepack Chopra. Em parceria com o filho Gotham Chopra, jornalista e cineasta, acaba de lançar “As 7 Leis Espirituais dos Super-Heróis”. No best seller, escrevem sobre deuses e humanos com dons especiais nas mais diversas épocas e culturas, com base em mitos gregos e indianos, e nas teorias de inconsciente coletivo e símbolos arquetípicos de Carl Gustav Jung. 

Oh! A vida imita a mitologia? Então veja isso: hoje está na mídia, com depoimento de Lady Gaga e tudo, a jornada interior de Gotham como o filho pródigo tentando entender um pai ausente; um homem por trás da celebridade. Viajando juntos por um ano, estão lançando o documentário “Decoding Deepak”.

“Buda foi um narcisista, não foi? O narcisismo é a grande contradição do meu pai e o grande paradoxo da espiritualidade”, diz o filho em entrevista ao The New York Times. Para o pai, “Definitivamente existe narcisismo em fazer um filme como esse”.

A promoção está excelente, com entrevistas polêmicas: não quero destruir meu pai, “senão a obra seria Destroying Deepak”, e não “Decoding”. Mas não é só! Já ouviu falar no The Chopa Center, que tem catálogo de produtos para download e promoções especiais, combos e até a Daily Inspirations, que vem com a frase do dia e… o “produto do dia”, com 10% de desconto? Ah! A musiquinha de inspiração que toca também está a venda: é só clicar em “álbum que está tocando”, e então vai para a página do preço, com mais uma dica: “Need to De-Stress? Try Endorphinate AR”, cápsulas para relaxar e acalmar.

Nas dicas de presentes, uma estrutura primorosa, com serviço de consultoria on line: chat ao vivo ou envio de e-mail, e toda uma seleção por preços e por estilo do target, incluindo “presentes para yogis”. E o que dizer do slogan, politicamente, ecologicamente e socialmente correto: “presenteie com o dom da saúde, do equilíbrio e da paz”?

Ora, este é o gift, é o dom da marca. Ofertá-lo em forma de produtos e serviços é respeitar esta dádiva, multiplicando-a. E se a estratégia for bem-feita e lucrativa, fica perfeito. Está certo? Ou melhor, existe certo e errado na vida e no mercado, definindo o sucesso? Para refletir conosco convido a psicóloga e estudiosa em mitologia Vera Couto, psicoterapeuta de orientação junguiana e conselheira da Areté- Centro de Estudos Helênicos- S.P.

MP: Mitos oferecem parâmetros, assim como a mídia. Qual a grande diferença?

VC: Os mitos oferecem parâmetros para uma reflexão das questões fundamentais do homem. A mídia oferece parâmetros para questões oportunistas e efêmeras digamos assim, de nossas supostas necessidades. O que realmente é fundamental para nossa vida? Eis a questão.

MP: Qual o gift da mitologia para inspirar a mercadologia?

VC: Penso que um gift inspirador seja a noção de “hýbris” para os gregos. “Hýbris pode ser traduzido por excesso, desmedida, arrogância, exagero. Ao praticar a “hýbris” havia, para o homem grego daquela época, a ameaça da punição divina. Para evitar cair nos excessos, os gregos pregavam a “sophrosýne”: a moderação, a justa medida, a prudência, a temperança.

MP: Considerando a teoria das dádivas, o que era sucesso para um herói? Como isso se compara ao êxito de uma marca?

VC: Um herói conseguia vencer os obstáculos se tivesse as bênçãos dos deuses e não praticasse a “hýbris”. Talvez para uma marca obter êxito precise considerar suas potencialidades e seus limites. Não oferecer aquilo que não pode cumprir.

Ora, ora. Não tem nenhum problema propor o bem, ganhando com isso também. Afinal, o que é ser bem-sucedido? Fecho com Fernando Pessoa, que mais que uma resposta, nos oferece uma dádiva: "Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade". Gostou? Então prepare-se. O trabalho é hercúleo.


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