Empresas costumam pedir e valorizar referências profissionais. Especialistas orientam como tirar proveito da rede de contatos.
Por Marta Cavallini
Ter uma boa rede de contatos é tão importante quanto um bom currículo, ainda mais em tempos de mercado aquecido, no qual as empresas disputam os bons profissionais. Mas especialistas alertam: é preciso cultivar sempre os relacionamentos para poder contar com as pessoas na hora de pedir referências ou indicações para o mercado de trabalho. E as empresas costumam valorizar bastante as referências, principalmente de ex-chefes, para o preenchimento das vagas. É o popular 'Q.I.', ou seja, 'quem indica', que pode beneficiar o candidato à vaga e até o funcionário que o indicou.
O analista administrativo de obra João Batista Marques de Oliveira indicou o encarregado de carpinteiro José Luis Pereira Maciel para a empresa do mercado imobiliário Tecnisa. “Na mesma hora em que fiquei sabendo da vaga lembrei dele. Eu já conhecia o trabalho dele e quando indiquei disse que era de confiança”, diz Oliveira. Os dois haviam trabalhado juntos por mais de um ano em uma obra de outra empresa. Oliveira garante que não tem medo de que Maciel não corresponda às expectativas da empresa. “Se tivesse medo, nem indicaria”, afirma.
Oliveira, há 8 meses na Tecnisa, participou de uma campanha na qual a incorporadora dá bônus de até R$ 250 ao funcionário que indicar um conhecido ou amigo para uma vaga aberta. Todas as semanas, o departamento de recursos humanos divulga internamente as oportunidades abertas. Para garantir a remuneração extra, o amigo indicado tem que ser efetivado após o período de experiência. O bônus vale para todas as funções na companhia e é de R$ 250 para a área administrativa e de R$ 100 para a área operacional. No quarto mês após a contratação, o funcionário que indicou o amigo recebe o prêmio em dinheiro. Maciel ainda está em período de experiência, por isso, Oliveira ainda não recebeu o bônus pela indicação.
Oliveira diz que pretende indicar outras pessoas para futuras vagas que aparecerem, mas priorizará ex-colegas de trabalho. “Já conheço a forma de trabalhar”, diz. O analista administrativo diz que pensa até em pessoas com quem não tem muito contato, mas que chamam a atenção pela forma de trabalhar, na hora de fazer a indicação. “O ‘boca a boca’ é muito importante. Indiquei o José Luis, que trouxe muitos outros. É uma boa opção”, diz.
Maciel diz que não tem medo de a empresa não gostar do seu trabalho e dispensá-lo e isso “pegar mal” para o seu amigo. “Indicamos as pessoas porque já trabalhamos juntos, sabemos que não tem problema. Assim é mais fácil do que buscar de fora”, diz Maciel.
De acordo com Marcello Zappia, diretor de RH da Tecnisa, desde abril, quando começou a campanha do bônus, a empresa recebeu 328 currículos – desses, 7 profissionais já foram contratados para a área administrativa e 31 para as obras. “Como a primeira contratação foi em maio, ainda não temos nenhum indicado que tenha passado pelo período de experiência, mas estamos na torcida”, diz Zappia. O diretor de RH acha que o método de contratação por indicação melhora a qualidade da mão de obra contratada. “Os colaboradores só indicam pessoas muito parecidas com eles, com os mesmos valores. Com isso, as contratações viram um círculo virtuoso – o colaborador possui os mesmos valores que a Tecnisa e indica pessoas com os mesmos valores”, explica.
Como e quando colocar a referência
Para Guilherme Rego, coach e diretor geral da Elevartis, empresa de desenvolvimento profissional, cultivar bons contatos com colegas e chefes após sair da empresa é importante porque essas pessoas podem ser essenciais na conquista de uma nova posição. Rego diz que empresas costumam pedir referências profissionais, em especial para posições gerenciais.
“Contatar de tempos em tempos as referências é relevante no plano de networking do candidato”, diz Rogério Sepa, consultor de carreira da LHH|DBM. Ele ressalta que os recrutadores valorizam principalmente as referências de ex-chefes.
Rego não recomenda colocar as referências profissionais no corpo do currículo, mas em uma folha separada, que deve ser entregue quando solicitada. Para Sepa, o documento deve mencionar o nome da referência, que posição ocupa atualmente, telefone e email de contato, empresa onde trabalharam juntos e o período que durou a relação. Por exemplo: se for um ex-chefe, deve-se colocar o período no qual a pessoa foi o gestor do candidato.
Kelly Lira, analista de RH da Adecco, concorda com os especialistas. “Caso o selecionador queira referências, certamente irá solicitar depois os contatos das pessoas que podem falar ou haverá um espaço na tradicional ficha de cadastro para incluir os dados."
Já Eduardo Ferraz, consultor em gestão de pessoas, considera que podem ser colocadas no currículo de duas a três referências. “Isso vai dar um peso importante no CV. A forma correta é colocar nome, cargo ou profissão, empresa, email e telefone de contato da referência.”
Mas, segundo os especialistas, as referências profissionais só devem ser compartilhadas se forem solicitadas pelos recrutadores. Ferraz pondera que se forem referências “de peso”, deve-se apresentá-las sempre para o recrutador.
Os consultores de recursos humanos afirmam que os recrutadores costumam ligar para as pessoas indicadas. “Especialmente para as indicações hierarquicamente acima do candidato. Não ocorre em absolutamente todos os casos de contratação, mas é bastante frequente”, diz Sepa. De acordo com Ferraz, as ligações são feitas principalmente no caso de cargos gerenciais. “Quanto mais estratégica for a posição, maior a certeza de que vão ligar para checar as referências”, diz.
Quem colocar
Para montar a lista de referências, segundo Rego, é preciso bom senso. “Pergunte sempre ao profissional se você pode colocá-lo na lista. Se houver dúvida, aborde sutilmente que tipo de feedback ele daria caso alguém ligasse pedindo informações. Ninguém quer colocar na lista pessoas que poderiam ser duvidosas ou que falem mal do trabalho”, diz Rego.
Rogério Sepa diz que todas as pessoas que serão relacionadas como referências precisam ser contatadas com antecedência. “Além de conveniente do ponto de vista social, a referência precisa entender o momento profissional do candidato e consentir a indicação”, explica.
Mas, se alguém entrou na lista de referências de um profissional sem ser consultado e o headhunter ou empresa ligar pedindo informações, é preciso cuidado para não elogiar quem não aprova. “Pode até dizer que não possui tanta informação para formar um julgamento apropriado, mas de forma alguma deve-se recomendar alguém que a pessoa não contrataria”, diz Rego.
Rego salienta que não precisa ser necessariamente um ex-chefe ou colega de trabalho para compor a lista. Profissionais do círculo de contatos que tenham informações relevantes e suficientes sobre o desempenho profissional também podem entrar na relação de referências.
No entanto, Sepa alerta que o candidato pode ter outras pessoas como referência, mas um número excessivo de indicações pode banalizar as palavras, principalmente das referências mais importantes, como as de ex-chefes e outros hierarquicamente acima do candidato. “Recomenda-se poucas e sólidas recomendações”, diz. Outro aspecto a ser levado em consideração, segundo ele, é que o teor da referência precisa ser relevante para a função que o candidato pleiteia. “Se uma pessoa concorre a uma posição executiva em uma empresa, uma recomendação de um professor pode não ser tão importante assim, já que o professor pode falar sobre a competência do candidato como aluno, não como executivo ou funcionário de uma empresa”, diz.
Kelly Lira ressalta que professores podem ser referências profissionais porque eles têm envolvimento direto no desenvolvimento profissional, mas, no caso de amigos e conhecidos, a prática não é muito aconselhável nem considerada muito profissional.
Ferraz acha que só devem ser indicadas pessoas que conheçam o candidato “de verdade” no ambiente profissional. “No caso de professores, só se você foi um aluno que chamou muito a atenção e que tem certeza de que ele lembrará de você e de sua atuação enquanto estudante”, afirma.
Os especialistas não recomendam mencionar referências com quem o candidato não fala há bastante tempo. “Citar uma referência, cujo contato cessou anos atrás, pode inclusive representar um risco. A referência pode se sentir indignada com a ausência de contato e surpresa com a abordagem e se esquivar de responder”, diz Sepa.
“Não é errado colocar como referência alguém com quem não fala há muito tempo, desde que o networking tenha sido bem administrado. Assim, as pessoas poderão dar boas referências do seu trabalho, terão conteúdo para falar sobre você, por estarem acompanhando de perto o seu trabalho”, afirma Kelly.
Ferraz pondera: “Se você chamou muito a atenção, fez um ótimo trabalho e tem certeza de que essa referência vai se lembrar de você, não há problema não falar com essa pessoa há meses ou anos”, diz.
Põe quem não gosta?
Os consultores de RH não recomendam citar pessoas com as quais não há um bom relacionamento. “As referências têm o objetivo de ‘recomendar’ o seu trabalho. Dificilmente uma pessoa com quem você não tem um bom relacionamento irá apresentar referências positivas a seu respeito”, diz Kelly.
“Gostar ou não gostar está em segundo plano. As contratações são feitas pela capacidade de entrega de resultados. Mesmo que um candidato não goste de uma determinada referência, se há o respeito profissional e se há o consentimento dessa pessoa em ser sua referência, siga adiante. Mas, se não houver respeito profissional de qualquer lado, não recomendo a menção da referência”, diz Sepa.
E não é aconselhável perguntar para a pessoa que será a referência profissional o que ela vai dizer em caso de ser contatada. “Quando a pessoa concordou em ser uma referência, o candidato não precisa perguntar sobre o conteúdo em detalhes”, diz Sepa.
“Dependendo da proximidade que se tem com a pessoa, pode perguntar. No entanto, quando se trata de alguém mais distante, de contato apenas profissional, é importante que ela se sinta livre. Perguntar o que ela vai dizer pode dar a impressão de que a sua intenção é moldar o discurso dela de acordo com sua vontade, e isso não é bem visto, demonstra insegurança. Por isso, é importante ter certeza de que as pessoas que você está indicando para apresentar suas referências têm mesmo uma imagem positiva do seu trabalho”, diz Kelly.
Para Ferraz, o candidato só pode dar como referências pessoas que o conheçam e que tenha certeza de que vão falar bem dele. “Se tiver que perguntar é um mau sinal.”
Quem indica
E no caso de ser convidado a integrar a lista de alguém, é preciso alguns cuidados. “Seja claro com o profissional se ele lhe pedir autorização para colocá-lo na lista. Se você não quiser recomendá-lo, diga a ele, preferencialmente explicando o motivo. E não recomende pessoas que você não aprove”, diz Rego.
Para Sepa, se a pessoa não se sente bem em recomendar alguém, uma alternativa é mencionar de maneira bastante simples e direta que não quer falar sobre o candidato. “Se for alguém distante, diga que não tem informações suficientes para falar sobre esse profissional, portanto, não se sente à vontade para isso”, diz Kelly.
Ferraz recomenda dizer que não conhece suficientemente a pessoa como profissional ou que não conhece suficientemente o trabalho dela.
E se a pessoa que foi solicitada a dar indicação achar que o candidato não se encaixa na vaga ou empresa?
“As pessoas mudam, evoluem, ganham experiência, passam a ter problemas e ninguém consegue garantir que elas são exatamente iguais ao que eram no emprego anterior. Não cabe a nós julgar se a pessoa se encaixa no perfil da vaga”, pondera Sepa.
Ele explica que a recomendação serve para contar, no tempo e no espaço, o que o candidato fez e suas competências exclusivamente no período em que trabalharam juntos. Por isso, a recomendação deve ser feita racionalmente, com base nos fatos, naquilo que está sendo perguntado, e deve-se buscar as qualidades e oportunidades de maneira sensata, sem exageros para um lado ou para outro, referentes ao período comum de atuação.
“Nunca é viável julgar um profissional como ruim em uma referência profissional. Nesse caso, o sugerido é que o profissional não se manifeste e diga educadamente que não se sente à vontade para dar esse tipo de informação sobre o profissional. Caso já tenha se comprometido em falar do profissional, cite os pontos que você considera positivo, mas procure ser breve”, diz Kelly.
Para Ferraz, o correto é não recomendar o candidato ao empregador, dizendo que não conhece suficientemente o trabalho dele. “Para a pessoa [que pediu a indicação], deve-se dizer que ela não tem perfil para a vaga”, diz.
Fonte: g1.globo.com
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