Tecnologia & Traição
Não, não e não... Não vou e nem quero enveredar neste tema espinhoso dos namoros, amores, paixões, casos, cachos, encontros as escuras que rolam pela internet ou coisas assim. De jeito nenhum vou meter minha diminuta colher de sobremesa neste angu de caroço. Nesta casa de vespas não me intrometo, eu cá comigo tenho meus sentimentos e minha opinião a respeito, porém reservo-me o direito de não falar sobre isto nesta oportunidade.
Tenho a pretensão de lançar um olhar sobre a forma como o controle sobre as relações entre trabalhadores e patrões ou entre colaboradores e organizações vem acontecendo no decorrer algumas épocas.
Quando se estabelece uma relação entre empresas e os seus empregados o que ocorre são juras de amor e respeito, onde o empregador se compromete a ser fiel no pagamento dos salários, no cumprimento das regras e leis trabalhistas, tratar bem o empregado e muni-lo de estímulos para que o mesmo esteja sempre motivado para dar o melhor de si no beneficio da organização.
De sua parte o candidato a funcionário que começa uma relação com uma organização, também ele se apresenta com juras de amor eterno, sempre disposto a se esforçar ao máximo, buscar crescer na empresa, empregar suas capacidades físicas e intelectuais pelo bem da organização, no desenvolvimento e crescimento desta.
Bem, assim como no namoro ou no casamento ou outra relação afetiva que se procure rotular, na linha do tempo estas relações estão passíveis de desencontros de propósitos, desgastes cotidianos e do não cumprimento das promessas e juras de amor, aquelas tantas feitas na luz do luar e acertadas juridicamente ao assinar o livro de registro de casamento no cartório na hora de casar ou as sussurradas inspiradas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) explicitadas na assinatura da carteira de trabalho e no livro de registro de funcionários feitos na luz do departamento pessoal na hora de contratar.
Não existem organizações perfeitas e tampouco trabalhadores que se livrem das limitações apresentadas pelas imperfeições embarcadas no íntimo de todos os seres humanos. O que me chama a atenção é que aqui e acolá, os funcionários talvez insatisfeitos com o tratamento dado pela empresa ou com pretensões de levar vantagens a mais em remuneração do que aquelas definidas em seu desempenho do cargo ou função cometam as traições mais ou menos graves contra a organização da qual faz parte e trilha o caminho da desonestidade para com o patrão que paga seu salário e a organização que garante seu sustento.
No período do Brasil colônia e até em parte do período Brasil Império a instituição escravidão não respeitava os direitos dos trabalhadores, porém havia uma regra para que as relações entre escravos e senhores mantivessem um mínimo de convivência, até certo ponto pacífica, neste regime cruel e desumano. É claro que “convivência pacífica” trata-se de um eufemismo.
Havia ocasião em que, mesmo trabalhando de sol a sol, a refeição servida no refeitório da senzala não era suficiente para matar a fome do escravo e assim este deveria defender a sanha de suas lombrigas pegando uma fruta que aqui e acolá davam o ar da graça e amadureciam no pomar do senhor. Através da conferência visual feita pelo feitor, capataz ou outro cupincha qualquer da casa grande em que fosse notada a falta das frutas da sinhá e do sinhô e tivesse ele, o ladrão de frutas, o azar de ser pego, era penar no tronco sem escala para pagar com as costas ardendo o doce da boca
O escravo se estuporava de trabalhar, e tinha sua produção comparada com a produção de outro escravo, em iguais condições de trabalho e tempo. Vez por outra deveria aparecer um escravo jovem e mais afoito que resolvia com seu trabalho dar uma produção a mais para o sinhô do engenho.
“Num faiz assim negrinho, sinão o feitô vai fazê nóis trabaiá mais...” Deviam dizer os escravos mais velhos, embaixo de alguma árvore fornecedora de sombra e preocupados em serem exigidos mais do que já eram em função do trabalho do mais jovem.
Engraçado, acho que já ouvi estas recomendações em algumas organizações em que trabalhei... Deve ter sido o sussurrar de algum antepassado da senzala soprando em meu ouvido. Será que foi impressão minha?
Deixemos nossos, certamente os meus antepassados com suas agruras e sua forma de ludibriar o sistema para sobreviver a fome e aos castigos e saltemos algumas décadas e me encontro no início da minha carreira corporativa, sem contar aqui o tempo de vendedor de pastel na feira...
Pois trabalhava eu, no início dos anos oitenta, em uma empresa que prestava serviços aos navios atracados no porto de Santos e que calculava os pagamentos de profissionais ligados as atividades portuárias tais como, vigias, conferentes, consertadores e principalmente estivadores. E eu, como Office boy na empresa, ia balançando a pastinha 007 para levar os cálculos destes pagamentos nas várias agências de navegação. Causou-me surpresa e espanto ao ler algumas planilhas da época, (nada de Excel meninos) o fato de um mesmo trabalhador estar na mesma noite trabalhando em navios diferentes no mesmo horário em armazéns distantes uns dos outros...
Tinha fresco na memória a informação que foi confidenciada a mim e a todos os presentes na aula noturna de ciências onde a professora disse que, um tal de Isaac Newton garantia e jurava de pés juntos que dois corpos não poderiam ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Eu era inocente na época, mas não o suficiente para acreditar no contrário, ou seja, um corpo não poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo...
Então que raio de mistério era este?
Meus colegas de trabalho me explicaram com certo ar de deboche que o que acontecia era que um determinado profissional, geralmente os estivadores, eram possuidores de uma ferramenta de trabalho chamado carteira preta. E esta carteira preta era o objeto de desejo de muitos trabalhadores. Ela permitia ao possuidor transitar por diversos navios para realizar o trabalho com prioridade deste sobre os demais que não detinham a famigerada carteira. Pois bem, continuavam a explicação os coleguinhas de trabalho, este entrava com a carteira preta em um navio, dava um jeito de passar a carteira para outro que ia em seu nome prestar serviço em outro navio em outro armazém que repassava para outro que fazia a mesma coisa e assim o mesmo profissional se espalhava virtualmente (e nem existia este termo) em quatro, cinco e até seis navios na mesma noite. Amealhando assim em uma mesma noite ganhos sobre o trabalho de outros, isto claro, recebendo como contra partida um percentual sobre o pagamento alheio, já que a carteira utilizada para entrar nos navios era sua. Esta prática tão corriqueira acontecia por não haver comunicação entre as várias empresas de navegação que eram concorrentes e o Porto de Santos ainda não possuir controle suficientemente eficaz sobre quem entrava ou saía dos navios, principalmente se tivesse a bendita carteira preta. Isto foi mudando a partir das novas relações de trabalhos portuários a partir de 1993, onde algumas práticas existentes nas relações de trabalhadores com o porto tiveram que ser redefinidas, mas a gritaria de algumas categorias, claro, foi intensa e barulhenta.
No meu lazer e no meu caminho para o trabalho nesta mesma época, também notava o comportamento de funcionários marotinhos no que diz respeito a burlar as regras da empresa para tirar proveito para si. Quando andava de ônibus, situação não rara neste período, eu diria até que constante, vez por outra era convidado pelo cobrador a descer por trás ou a pular a catraca e pagava apenas meia passagem ou até mesmo a passagem inteira, sabedor nesta época que havia uma mancomunação (conluio, sociedade espúria, união desonesta) entre cobrador e motorista que assim agiam para dividir o butim no fim da viagem ou até no fim do dia. Mas esta prática também acabou com a instalação de catracas mais altas e com a colocação de câmeras no interior dos ônibus, o que pôde servir para identificar possíveis criminosos assaltantes de ônibus, pôde certamente denunciar maus funcionários que tinham o desejo de se tornar sócios nos lucros da empresa sem ter seus nomes incluídos no contrato social ou na relação de pró labores.
A implantação de softwares de ERPs (Enterprise Resource Planning) ou Planejamento dos Recursos Empresariais em muitas empresas, ao tempo que possibilitou para as organizações uma maior visibilidade das ações dos diversos setores e a dimensão dos trabalho realizados por estes, facilitou ainda mais o controle sobre as ações de seus colaboradores, chegando ao ponto onde, em alguns casos, o dia do funcionário não passe a contar do momento em que ele entra na empresa e passa o cartão de identificação, mas no momento em que ele insere este cartão no equipamento em que trabalha. Ao retirar o cartão para ir lanchar, fumar, tomar cafezinho ou ir ao banheiro, o tempo de trabalho na máquina cessa e o que as empresas chamam de banco de horas passa a contar negativamente para o funcionário que desta forma não dá efetivamente quarenta horas semanais para as quais a empresa o contratou e tem seu número de produção diminuído que resulta em menos dinheiro ou ficar devendo no banco de horas para acertar no futuro o que significa menos horas de folga. Tem uma empresa, onde um amigo trabalhou, cujo nome do amigo e tampouco da empresa devo revelar, e que atua com pesquisa de mercado, tem nos seus equipamentos um controlador que desliga o equipamento se o funcionário parar de manipular os dados por cinco minutos. Isso acarreta prejuízo na sua produtividade, e não tem xinxim minha nega, mesmo que a parada seja para conversar com um gerente de supermercado, negociar algum tipo de benefício para melhoria do trabalho na organização, o tempo pára e o colaborador que arque com esta parada.
No tempo em que fui gerente de restaurante, o dono não queria de forma alguma que houvesse algum tipo de camaradagem entre muitos dos profissionais envolvidos no atendimento de sua empresa, a saber:
Caixa não poderia ser amigo de garçom; garçom não poderia se amigo do barman; barman não poderia ser amigo de caixa e até o despachante da cozinha não poderia ser amigo do garçom...
Mas que danada de preocupação era esta em que a harmonia não deveria existir entre estes profissionais?
Mais uma vez em minha inocência fui violentado com a informação vinda, desta vez não de um colega de trabalho, mas do proprietário da empresa que estes profissionais e estas configurações de amizade poderiam se unir para dar algum tipo de prejuízo no restaurante, despachando produtos e ficando com o dinheiro que seria da empresa. Informei a ele que o melhor a fazer era instalar sistemas de controle e até mesmo câmeras nos diversos setores do restaurante para que ficasse tranqüilo e não perdesse horas de sono preocupado com as relações de amizade e empatia que pudesse haver entre seus funcionários.
Tentando impedir esta interatividade, estaria indo na contramão dos experimentos científicos da administração e sendo frontalmente contrário a experiência da equipe de Hawthorme onde o método aplicado pelo Dr. Elton Maio provou que há uma significativa melhora na produção se o ambiente é de camaradagem entre o grupo de trabalhadores e o aprendizado se torna coletivo.
Saí da empresa, mas as últimas informações que tive é que foi implantado um sistema de controle eficiente de produção e estoque e a instalação de câmeras que permite ao proprietário, agora dormindo feito um anjo, controlar seu negócio de casa via web, assim como eu havia recomendado, que bom poder dormir em paz.
Pois é, parece realmente que temos aqui uma gama de funcionários desonestos que só pensam em levar vantagens sobre a organização. Tem se a impressão que os funcionários que assim o fazem é porque são profissionais com baixo índice de capacitação técnica e por isto buscam ganhos a mais do que aqueles propostos pelas organizações.
E que dizer da categoria dos médicos?
Sim, alguns deles também acabam por ir buscar as frutas que parecem amadurecer em outros quintais que não lhe pertencem, vejamos...
No Ministério da Saúde, onde trabalho atualmente, existem vários sistemas de gestão hospitalar e de controle das diversas ações do SUS entre eles existe um que eu diria ser a pedra nos sapatos de alguns profissionais da saúde, o CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) que é base para operacionalizar os sistemas de informações em saúde, sendo que permite ao gestor de saúde o conhecimento da realidade da rede assistencial existente e suas potencialidades, visando auxiliar no planejamento em saúde, e blá, blá blá...
Mas o que incomoda mesmo a rapaziada do jaleco branco é o fato deste sistema pentelho não permitir que os mesmos estejam com seus nomes prestando serviços em cidades diferentes ao mesmo tempo... Lembram dos estivadores do porto de Santos e seus armazéns e navios?
Pois é... se isto ocorre, lá vem a Controladoria Geral da União, lá vem o Ministério Público, lá vem a Sétima Cavalaria montada dos Estados Unidos para verificar onde está a irregularidade, e tome processo administrativo, e tome imprensa em cima e tome exoneração. Ai, ai, que eu adoro isto.
Vez por outra, um profissional da saúde liga pedindo para excluir o nome dele da cidade X, por já estar prestando serviço na cidade Y e que o nome dele foi colocado ali irregularmente...
Ataque de honestidade?
Pode ser, todos são inocentes até que se prove o contrário, é o que diz a lei.
Ou até que a tecnologia seja empregada para evitar comportamentos pouco éticos por parte de alguns, tentando assim evitar as traições por parte daqueles que já possuem uma tendência a querer levar vantagens. O azedume das relações no trabalho também se apresenta quando a empresa passa a aplicar a tecnologia para exigir do funcionário mais do que ele pode dar, resultando em situações negativas para ambas as partes. E quem se atreve a equacionar estas divergências?
Marco Antonio Cordeiro
Administrador e escrevinhador
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