Por Mário Persona
Marketing existe há milhares de anos. Foi à sombra de uma árvore, ancestral das que produziriam o papel dos livros de Philip Kotler, que transcorreu a primeira ação de marketing da história. Num Éden exuberante, onde nada faltava, os mesmos princípios que regem o marketing moderno foram aplicados pela primeira vez.
Quais? Descobrir, analisar e atender desejos ou estimulá-los pressionando as teclas motivacionais do cérebro que levam à ação. Não, Maslow não estava lá e nem sua teoria motivacional tinha sido inventada. Mas as teclas estavam e geravam três desejos primários: dinheiro, prazer e prestígio. Uma vez pressionadas, a resposta veio rápida.
"E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela." Gênesis 3:6 Como acontece hoje com o dinheiro, a oferta prometia garantir o sustento — boa para se comer —, gerava prazer estético — agradável aos olhos — e supria necessidades intelectuais de auto-estima e realização — desejável para dar entendimento. O que aconteceu depois é história.
Quando vemos o marketing se transformar na coqueluche de todo estudante e profissional, é bom saber que quem tem o marketing tem a força, inclusive o seu lado sombrio. O hedônico cérebro de nosso cliente ainda traz as teclas de nossos edênicos ancestrais.
Há dois mil anos elas eram reeditadas pela pena do apóstolo João, com outros nomes, mas com efeitos iguais: "Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo." I João 2:16 O desejo ardente pelo sustento físico — a concupiscência da carne —, pelo prazer sensorial — a concupiscência dos olhos — e pelo prazer intelectual — a soberba da vida — continuam sendo as teclas.
Basta apertá-las e nada segura o ser humano. Nosso cérebro é hedonista por natureza e o atendimento a essas "concupiscências" ou desejos extremos é prioridade zero em nossa lista. Por isso a foto de um moribundo na embalagem do cigarro não impede que seu dono o acenda, nem a Aids consegue ser curada com injeção de propaganda de preservativo. A razão perde fácil para o desejo. Existe uma quarta tecla que o marketing explora, a de que as três teclas podem ser desfrutadas para sempre. É a tecla que chuta a velhice e a morte para escanteio.
Se depender daquilo que um médico amigo chama de "medicina pop", Juan Ponce de León não precisava ter se embrenhado em selvas peçonhentas atrás da fonte da juventude. Bastava ir até a banca da esquina. As capas recorrentes querem fazer crer que a medicina e a genética têm a cura para todos os males. Bem, para muitos, inclusive para a doença do sono causada pela mosca tsé-tsé que assola milhares de africanos. Mas, neste caso, a substância que cura vai para a fabricação de cosméticos.
Dá mais dinheiro eliminar pêlos em rostos femininos no primeiro mundo do que evitar a morte de africanos. É claro que o marketing está embarcando na onda de uma longevidade cosmética, se esquecendo de que as cãs sempre foram símbolo de sabedoria em todas as culturas. Hoje são tingidas de cores variadas. Perdemos o respeito pelo envelhecer e agora idolatramos as passarelas do adolescer. Panacéias mil são anunciadas prometendo dar a cada homem e mulher a aparência de Lênin no sarcófago. Mas nascer, crescer, envelhecer e morrer são fases de uma mesma vida que deve ser vivida com dignidade. Antes que nosso corpo vire adubo para garantir que animais, plantas e bactérias vivam. Principalmente bactérias.
Enquanto escrevo, milhões delas aguardam — todas salivando — querendo me ver pelas costas. Hoje engoli alguns de seus parentes, amanhã pode ser a vez delas. Viver é um processo teimoso e não importa o quanto de cosméticos a gente aplique no processo, até hoje sempre deu verme no placar. É, véio, o que a gente precisa mais é aprender a envelhecer, e não achar que o grisalho tingido de caju, a tatuagem camuflada pelas pintas das mãos ou o piercing em flácidas pelancas fará de nós adolescentes outra vez.
O mais importante é se preparar para o que vem depois. Equilíbrio no envelhecimento é o caminho do meio. É claro que o marketing vai continuar trabalhando as teclinhas, pois fazem parte da urdidura da própria civilização. Vai continuar apontando rumos para minimizar o envelhecimento, melhorar a saúde, aumentar o bem- estar. Isso se for ético. Porque o lado sombrio da força do marketing continuará a insistir em atropelar a ética e o bom senso na avidez pelo lucro imediato. Aos estudantes e profissionais que descobriram agora essa força e já apresentam sinais de embriaguez, fica aqui o meu alerta: Aprecie com moderação.
Fonte : www.mariopersona.com.br
Fonte da imagem: Gettyimages
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