Ser ou não SER?
Já assisti em distintos programas dos mais variados tipos, crianças dando aquele famoso depoimento aos repórteres e entrevistadores sobre o que querem ser quando crescer.
Geralmente as respostas mais ouvidas são: Eu quero ser médica, eu bombeiro, eu veterinária, eu jogador de futebol e assim continuam, numa gama de profissões dos mais diversificados ramos de atividade.
Até hoje eu não vi nem ouvi nenhuma criança dizer que queria ser vendedor ou vendedora quando ficasse grande.
Por que será que nenhuma criança quer ser vendedora?
Ou pelo menos eu desconheço este pequeno empreendedor que queira fazer da arte de vender, o seu ganha pão.
Ser vendedor é antes de tudo ter competência e vontade para servir. Eu costumo comparar a profissão de vendedor com a de garçom. O bom vendedor, assim como o bom garçom, conhece com profundidade os produtos que vende, conhece a sua clientela e aquilo que atende as necessidades da mesma e quando surge uma novidade no cardápio, ele pode distinguir a quem aquele novo produto pode interessar e agradar.
Em um tempo da minha vida, quando tinha entre dezessete e dezoito anos e naquela época, período pré-cambriano, as empresas não contratavam meninos desta faixa etária, pois o rapaz poderia ir servir o exército e ela ter que arcar com os custos de manter um jovem nos seus quadros enquanto ele servia a pátria e não à ela, fui trabalhar de garçom em festas particulares que contratavam os serviços do buffet onde eu fazia bico.
Uma experiência que me rendeu bom traquejo em lidar com situações de instabilidade, adquirido principalmente em festas de crianças onde os baixinhos teimavam em se pendurar na borda da bandeja para ver o que eu estava transportando enquanto perguntavam “Quê qui é isso aí heim tio?”
Estas situações demandavam um grande esforço de alavanca do lado oposto ao da criança pendurada para a bandeja não virar com salgados ou refrigerantes em cima dos pequenos e curiosos convivas, se isso ocorresse, não tenham dúvidas à culpa seria só do garçom. Além disso, haviam convidados sempre ávidos pela presença do garçom e sua farta bandeja em suas mesas para que pudessem se empanturrar de salgadinhos, bolos e doces empurrados para o bucho por vasta enxurrada de refrigerante e cerveja como se fosse entrar em estado de hibernação nos próximos cinco minutos o que lhes obrigaria a comer o máximo possível antes do sono prolongado. Entra aí o princípio da logística, o produto certo (salgadinhos e bebidas), na quantidade certa (muito salgadinho e muita bebida), no tempo certo, ou seja, toda hora que o garçom passasse e o valor certo, que neste caso era certíssimo, grátis.
Depois desta ótima experiência na área de atendimento ao público, iniciei minha carreira na área comercial e nesta eu passei por todos os setores possíveis que foram desde promotor de vendas na Nestlé até diretor de marketing de uma empresa de conserto de ar condicionado localizada em uma garagem de dois andares em local de frequência duvidosa no centro de Santos. Isso não ocorreu de forma linear na minha estrada de mercador, trabalhei em outras tantas empresas sempre no setor de vendas. Uma não foi o ápice da minha carreira nem tampouco outra eu considero a bacia das almas da minha vida profissional.
Mas na experiência de Diretor de Marketing da empresa de ar condicionado, utilizei pela primeira vez a frase que tantos profissionais já conhecem - Pode tirar o título e me dar o dinheiro.
Como só tinha o título e o dinheiro era mais difícil de ver do que cabeça de bacalhau demiti-me da empresa. De tempos em tempos a carreira do profissional da área comercial dá algumas guinadas, nesta empresa ele é gerente, na outra é vendedor, em outra é supervisor, naquela é promotor de vendas. Mas seja qual for o título do momento ou a designação da moda, ele é vendedor.
Suporte comercial, profissional de gestão de clientes, gestor comercial, gestor mercadológico, consultor comercial, técnico comercial, gestor de vendas e blá, blá, blá... Se não for um palpiteiro é um vendedor.
Falo aqui em palpiteiro de forma um tanto pejorativa e sem meio termo, vejo assim aqueles que nunca colocaram uma pasta debaixo do sovaco, também conhecida como axila, e um catálogo ou mostruário gigantesco de produtos para apresentar para o cliente enquanto este balança a cabeça reprovando cada item do mostruário, e sem esta vivência importantíssima para a formação de um profissional de vendas, este para mim não está capacitado para falar sobre o que é ser vendedor.
Ir à frente de uma sala de aula ou de uma equipe de vendedores para dizer que é assim assado, que a equipe é incompetente porque não vende, não se empenha o suficiente, dizer isso sem nunca ter levado uma porta na cara, tomado chuva no lombo ou ficar caminhando sob um sol subsaariano só pode ser coisa de palpiteiro que não conhece o metiê. Não desconsidero a teoria, mas esta solteira de prática é vazia e ilegítima.
Ser vendedor não é pra qualquer um. Não foram poucas as pessoas de quem ouvi de forma muito sincera, “Ah, qualquer coisa eu arrumo um emprego de vendedor...”
Pra início de conversa vendedor não é emprego, é trabalho, trabalho árduo e difícil em que além das expectativas, sonhos e anseios dos clientes você deve lidar com uma infinidade de situações adversas que vão desde o cliente ter dificuldade em se divorciar do suado dinheirinho até outros vendedores que apresentam produtos tão bons ou melhores por preços mais acessíveis. Tem professor ou instrutor da área comercial e gerentes de vendas que dizem que preço não importa. Só se for pra quem compra Ferrari, Patek Philipe, Porshe, Luiz Vuitton e outras marcas que a gente nem vê comercial.
Tirando estas situações que envolvem grande soma de dinheiro e quem gasta não está nem um pouco preocupada com o “Quanto custa isso?” no geral a relação do vendedor com o sucesso da venda requer muito trabalho e paciência.
Ocorrem situações no cotidiano de um vendedor onde mesmo em que tenha dado um atendimento extremamente profissional, objetivo, encantador, e outras tantas qualidades que se possa dar a um processo de compra e venda, vem à resposta final do cliente “Comprei na outra loja que fez um preço melhor...”.
Ó quanto riso,
Ó quanta alegria...
Nesta hora nos vem à cabeça tudo que aprendemos nos cursos e treinamentos de vendas e a lembrança da cara daquele consultor que a empresa contratou por milhares de reais para lhe motivar nas vendas que costuma ensinar que o segredo do sucesso é um bom atendimento e você é trocado pelo primeiro desconto que aparece. Fica a dúvida se realmente o segredo é só esse ou se tem vários segredos que o vendedor deve desvendar ou a empresa deve contratar vários consultores para cada um desvende um segredo.
Consultora boa mesmo seria a Virgem de Fátima que de uma vez só revelou três segredos.
A profissão de vendedor é a que mais sofre assédio moral de todas as profissões existentes mesmo sendo uma das profissões mais velhas do mundo, correndo ao lado da de pastor de ovelhas, agricultor e daquelas mulheres que ficavam nos templos da Mesopotâmia e Egito adorando sabe-se lá o que, mas agradando sabe-se bem a quem.
O vendedor é o cartão de visitas da empresa, é o grande captador de recursos da organização, é por ele que a empresa consegue escoar a sua produção e através das negociações feitas por ele se obtém a lucratividade do negócio. O que seria do Baú da Felicidade se não fosse um Silvio Santos a lhe vender os produtos?
No entanto é o profissional mais espremido, cobrado e humilhado quando a organização não consegue atingir seus objetivos. Veja que, apesar da atuar no presente para garantir o futuro da empresa o vendedor não tem passado. A cota batida no mês anterior é obrigação, quando a venda é recorde e pagou todas as contas da empresa por meses ou tira as contas do vermelho é agraciado com uma viagem para um resort ou ganha cartaz colorido em foto de funcionário do mês. Mas se ele tem um período ruim seja lá por que motivo for se transforma em um Ronaldinho Fenômeno, mesmo tendo feito o que fez é jogado no limbo da desconfiança por parte da torcida, melhor dizendo, o vendedor passa a ser alvo de cobranças que podem levá-lo a demitir-se ou entristecer-se com o assédio moral e se desestimular até o ponto de receber cartão vermelho.
Por que será que nenhuma criança quer ser vendedora?
Depois de analisar chego a minha resposta para esta pergunta que não quer ficar de bico fechado.
Ser vendedor, definitivamente não é brincadeira para criança.
Marco Antonio Cordeiro
Administrador e Cronista
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