Por Letícia Arcoverde
Atingir metas, superar expectativas, passar para fases novas e ser recompensado pelo bom desempenho são ações que explicam bem os objetivos de um profissional em busca de sucesso na carreira. São também boas formas de descrever a experiência de alguém durante um jogo de videogame. Essa comparação é a base da metodologia gamificação (ou "gamification", em inglês), que consiste em adotar mecanismos de jogos em processos diversos não relacionados aos "games" - como estratégias de marketing ou programas de treinamento em empresas.
Autor de três livros sobre o assunto, Gabe Zichermann é um dos principais especialistas em gamificação do mundo. O canadense radicado nos EUA esteve em São Paulo neste mês para ministrar um workshop e uma palestra com o selo do GSummit, evento anual sobre o assunto, do qual Zichermann é presidente.
Embora tenha começado como uma ferramenta de marketing, hoje a gamificação é bastante adotada por departamentos de recursos humanos - o que surpreendeu o especialista. Atualmente, Zichermann estima que cerca de metade do investimento em gamificação seja voltada para produtos internos em empresas. No Brasil, a designer de inovação estratégica Samara Tanaka, da consultoria MJV, responsável pela realização do workshop, diz que a gamificação também está mais presente na área de gestão de pessoas de companhias do que em outros setores. Nos Estados Unidos, Zichermann estima que nos próximos cinco anos serão criadas cinco mil novas vagas para profissionais de RH que conheçam o assunto.
Hoje, ferramentas inspiradas em jogos são usadas para engajar ao máximo os profissionais durante o expediente e tornar programas de treinamento e desenvolvimento mais eficientes e prazerosos. Além disso, são aplicadas em processos de recrutamento pelas companhias para testarem candidatos. "Há uma tendência de as empresas tratarem seus funcionários como consumidores. Elas se esforçam para garantir que eles não se sintam obrigados, mas queiram realizar uma tarefa", diz. Para o especialista, esse é um dos principais fatores que garantem o sucesso de projetos de gamificação: a adesão dos profissionais precisa ser voluntária, o que exige que o projeto seja muito atraente.
Como exemplo de sucesso, ele cita um jogo criado pela companhia aérea americana Delta para treinar seus operadores de call-center em conhecimentos de geografia - uma deficiência que eles encontraram quando levaram de volta aos Estados Unidos o departamento de atendimento que operava na Índia. Por meio de um aplicativo chamado "Ready, Set, Jet", que simula viagens e desafios entre diversas partes do mundo, a empresa conseguiu que os profissionais jogassem em um ano o equivalente a quatro de treinamento - e tudo em seu tempo livre.
Outro fator essencial é adaptar a linguagem ao tipo de público da empresa. Um dos grandes triunfos da metodologia é ela se apresentar como uma maneira eficiente de interagir com a geração Y no ambiente corporativo - um dos principais desafios de gestores de recursos humanos atualmente. Zichermann concorda que é muito mais fácil usar o modelo com os jovens, pois eles estão acostumados a adotar processos que lembram jogos no dia a dia. Já em organizações mais tradicionais, pode ser mais interessante "disfarçar" os projetos como programas de incentivos não remunerados ou similares.
Zichermann ressalta que todas as pessoas gostam de feedback positivo, de saber seu progresso pessoal e de receber pontos. "O pacote em que você vai entregar isso é o que costuma fazer a diferença", explica. Para ele, a gamificação pode ajudar justamente em uma área onde a maioria das organizações ainda é fraca: mostrar as regras do jogo aos funcionários. Como em um videogame, que informa constantemente o desempenho em forma de pontos, a gamificação é uma maneira de oferecer reconhecimento, comunicar se o profissional está no caminho certo para atingir as metas necessárias e dar feedback constante.
Além da familiaridade com jogos, esse é um dos aspectos que fazem a metodologia funcionar tão bem entre os mais jovens. Para Zichermann, a dificuldade em lidar com a geração Y não é ela ser impaciente e mimada, e sim exigir que as empresas deixem claro qual o caminho para atingir os objetivos e avançar na carreira. "Historicamente, as companhias dizem que você deve fazer o seu melhor e, então, será recompensado. Os mais jovens, no entanto, querem saber o tempo todo como eles estão se saindo. A gamificação traz esse senso de progresso diário", diz.
Um exemplo disso é o aplicativo chamado Work.com, da empresa de tecnologia Salesforce, com o qual é possível avaliar colegas de trabalho em tempo real. Atualmente, ele é usado nos escritórios da rede social Facebook e do site de música Spotify como complemento à avaliação anual de desempenho - ou, em alguns casos, substituindo-a completamente. Para Zichermann, países como o Brasil, onde a força de trabalho é jovem e a preocupação com a retenção de profissionais é grande, têm mais espaço para adotar processos gamificados.
Mas, quando se "joga" dentro das empresas, com quem se está competindo? Segundo Zichermann, o foco mais comum e mais eficiente é gerar uma competição do profissional consigo mesmo, na qual ele se esforça para bater as próprias metas. "Um dos maiores equívocos dos executivos é achar que a competição está no centro de qualquer jogo. Na verdade, os jogos podem ser muito colaborativos", diz.
Fonte: valor.com.br
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