Para Robert Greene, esctitor bestseller e autor do livro Maestria, dedicação e paixão são mais importantes do que talento para alcançar o sucesso
Por Elisa Campos
A boa notícia: para alcançar o sucesso e se tornar uma referência na sua área de atuação você não precisa ter nascido com um talento nato. Chegar lá só depende de você. A má: esse caminho é tortuoso, cansativo, demorado e exige muita paciência e dedicação. É essa mensagem que o escritor americano Robert Greene passa em seu mais novo livro, "Maestria" (Mastery, em inglês), lançado no Brasil no final do ano passado.
Ex-editor da revista Esquire, Greene é autor dos bestsellers "As 48 Leis do Poder", "33 Estratégias de Guerra" e "A 50ª lei", este último em parceria com o rapper 50 Cent.Morador de Los Angeles, ele também chegou a trabalhar como roteirista em Hollywood.
Para escrever "Maestria", Greene estudou a biografia de inúmeras figuras históricas, como Darwin, os irmãos Wright, Benjamin Franklin, Thomas Edison, Einstein e Mozart. O americano analisou o que esses "gênios" têm em comum e como eles chegaram lá. A conclusão: a genialidade inata é um mito. Para alcançar a maestria, você precisar ter paixão pelo que faz e paciência e persistência para se dedicar a sua área por anos a fio, além de coragem para ser diferente e enfrentar desafios. Quer saber o porquê? Confira na entrevista dada por Greene a NEGÓCIOS.
Genética, habilidade inata ou sorte explicam o sucesso dos profissionais bem-sucedidos?
A genética tem um papel extremamente importante, porque há uma coisa geneticamente única em você. O seu DNA e a maneira como seu cérebro funciona fazem você diferente de qualquer outra pessoa. Essa diferença é exposta, por exemplo, quando você, bastante jovem, é atraído por determinadas áreas, como esportes, música, matemática, ciência etc. Essa atração tem muito a ver com a genética e é muito importante para se atingir a maestria. Sobre habilidade inata, sim, é possível que um ótimo jogador de futebol tenha um talento natural para aquilo. Mas muitas pessoas nascem com talentos naturais nunca vão a lugar nenhum, porque elas não têm a motivação, o amor pelo que estão fazendo, a persistência, a paciência. Em suma, talento natural existe, mas às vezes pode te prejudicar mais do que qualquer coisa, porque te faz preguiçoso. Ele não te faz entender o quão importante é trabalhar duro e praticar. A história do Pelé é um bom exemplo disso. Ele é uma pessoa que nasceu com uma quantidade significativa de talento, mas ninguém treinava tanto quanto ele. O importante não é o talento com o qual você nasce, mas o que você faz com ele. Em suma, talento tem um papel pequeno; a genética, grande, e a sorte tem um certo papel - eu não quero negar isso - mas nada disso vai importar se você não amar o que faz, não for persistente e praticar bastante.
Você acredita que qualquer pessoa pode se tornar um mestre, uma referência em sua área de atuação?
Sim. Temple Grandin, por exemplo, é uma mulher que nasceu com um grau muito alto de autismo. Aos 2 anos de idade, ela quase foi internada para passar o resto de sua vida numa instituição psiquiátrica, porque não conseguia aprender a falar [Grandin se tornou escritora, professora universitária e é uma referência na área de comportamento animal]. Se alguém assim consegue dar a volta por cima, encontrar sua vocação, eu não vejo por que outras pessoas não possam fazer isso. Há algumas pessoas que nascem com terríveis deficiências, mas, com exceção desses casos, - creio que já foi demonstrado que a maestria não é uma questão de QI. Com isso, eu não quero dizer que todos serão Albert Einstein ou Mozart. A questão é se você encontrou o campo que tem a ver com você, se você ficou dez, vinte anos, aperfeiçoando o que faz. Eu acho que qualquer pessoa tem a capacidade de realizar isso.
Mas você acredita que ser bem-sucedido é mais fácil para uns do que outros?
Sim. É como se existisse uma voz na sua cabeça te chamando para ser um escritor, um músico, um esportista. Algumas pessoas ouvem essa voz muito claramente. E elas sabem mesmo aos oito anos que precisam fazer aquilo. Assim como foi com o Pelé e o futebol. Porém, existem muitas outras pessoas que, depois que crescem, começam a ouvir seus pais, os amigos, outras pessoas e perdem o contato com o que as torna diferente e com o que elas gostam. E essas pessoas quando chegarem aos seus 20 anos terão dificuldade em escolher qual carreira seguir. Elas vão ouvir seus pais e o que está sendo dito nos jornais. Essas pessoas têm uma dificuldade muito maior para se tornarem bem-sucedidas. Não é impossível, mas aquelas pessoas que nasceram com um senso muito claro de quem são e o que faz delas diferente terão mais facilidade.
Você argumenta que a prática é o que leva à maestria. Se tornar-se um mestre é até certo ponto uma questão de escolha, já que envolve principalmente dedicação, por que temos tão poucos mestres?
No passado, nós tínhamos poucos mestres, por causa da política. As mulheres, por exemplo, não podiam se dedicar à ciência ou até mesmo às artes. Mesmo um homem como Leonardo da Vinci, que não nasceu nas melhores circunstâncias, tinha que ser super, super ambicioso e trabalhar ainda mais duro para poder conseguir um diploma e chegar onde chegou. Hoje, essas barreiras caíram. Por outro lado, temos uma cultura em que as pessoas não são encorajadas a ser pacientes. Todos querem algo imediatamente. Você não quer passar dez anos ou 10 mil horas aprendendo uma habilidade ou desenvolvendo capacidades. Você quer agora. Você quer ser rico e ter dinheiro quando tiver 25 anos. Ninguém quer ouvir que terá que ser paciente e lidar com a dor. Sacrifício por alguns anos? Não, eu quero tomar uma pílula que me dê tudo isso imediatamente. Além disso, as pessoas estão tão distraídas com toda essa tecnologia que elas não têm a capacidade de se concentrar profundamente. O cérebro humano funciona melhor quando você se concentra, mas é difícil se concentrar no mundo de hoje. Se por um lado nos livramos das barreiras políticas, agora nós temos barreiras culturais e tecnológicas.
Você estudou muitas biografias para escrever Mastery. Quais são as características comuns aos grandes mestres?
A característica mais comum é aquela voz - desde muito cedo eles têm claro o que amam. Eles não ouvem os outros. Muitos querem um professor para lhes dizer o que fazer, são bastante passivos. Já os mestres são pessoas que traçam seu próprio caminho. Eles sabem o que querem, não têm que ouvir alguém lhes dizer o que fazer. Um exemplo é a história de Charles Darwin. Ele era apaixonado por observar a natureza e coletar pequenas borboletas e besouros. Todos diziam a ele: você não conseguirá fazer disso uma carreira e se sustentar. Ele simplesmente continuou a fazer o que queria: saindo e olhando para plantas e animais. E, eventualmente, acabou viajando pela América do Sul e criando sua teoria da evolução. O mestre faz o que o atrai. Isso é crítico. Um outro fator é que essas são pessoas que não têm medo de ser diferente. Se você olhar para qualquer mestre, como Pelé ou Steve Jobs, não tem ninguém como eles no mundo. Eles não são substituíveis. Não há ninguém que possa assumir o lugar deles. São completamente únicos e têm muita disciplina.
Você argumenta que a paixão é necessária para ser um mestre. Por quê?
A vida é dura. Tem tantas distrações nesse mundo. Não apenas na tecnologia, mas a família, os filhos. Tantas coisas surgem e competem pela sua atenção. Se você não estiver emocionalmente conectado com seu trabalho, você não conseguirá aprender. Estará pensando em todas as outras coisas que importam mais para você. A sua carreira ficará em segundo plano. Você precisa ter uma conexão emocional com o que está fazendo para ter a paciência necessária para passar por 10 mil horas e não desistir, ter determinação. As pessoas que eu perfilei são muito determinadas. Nada vai pará-las. Se você não sente que tem que fazer determinada coisa, nunca vai chegar lá. Não terá a energia para passar por todas as barreiras e obstáculos. É impossível se tornar um mestre sem experimentar um alto nível de fracasso. Se você olhar para alguém como o Steve Jobs, nós não nos lembramos do fracasso deles. Mas eles tiveram fracassos terríveis. Se você não se sentir apaixonado pelo que faz e falhar, ficará destruído. O Jobs deixou a Apple nos anos 80 e abriu sua própria companhia de computadores nos anos 90. E ninguém sabe dela, ninguém fala dela. Foi um fracasso monumental. Ele perdeu muito dinheiro. A sua reputação foi para o lixo. Porém, ele conseguiu voltar para a Apple no final dos anos 90 e o resto da faz parte da história. Ele não deixou esse fracasso o destruir, porque ele estava obcecado com design e tecnologia. É por isso que você precisa ter paixão. Não é que você precise estar loucamente apaixonado, mas a conexão emocional é crítica. Você não irá se tornar um mestre sem isso.
Você acha que é impossível ser bem-sucedido e não gostar de verdade do seu trabalho?
Há profissionais na casa dos 20 anos que conseguem ir muito bem num ramo e ganhar bastante dinheiro, mesmo não gostando tanto de seu emprego. Mas dá para durar? Dá para durar 20 anos? Muita gente começa forte, tem energia, está motivada. Há pessoas que vão para o Direito, para negócios, porque é seguro, dá dinheiro. Você pode ir muito bem e fazer sucesso, mas não irá durar. Ficará entediado. Não estará prestando atenção, aprendendo tão rápido quanto os outros. Pessoas mais jovens virão com mais energia, estarão mais por dentro das tendências. Você ficará para trás. Quem não ama o que faz - mesmo que ganhe dinheiro - não será criativo. Será capaz de jogar o jogo político, fazer os aliados corretos, mas não estará entusiasmado, descobrindo um novo ramo que vá durar. Essas pessoas não vão descobrir nada, elas não são mestres de verdade.
Para aqueles que não têm claro qual é sua paixão, o que fazer?
É preciso parar de pensar sobre o presente imediato e refletir sobre o futuro. E, ao fazer isso, você passará naturalmente a pensar sobre quem você é, onde quer chegar, o que quer fazer, qual o tipo de carreira que você quer ter, se quer trabalhar a vida inteira para alguém. Não é uma questão de simplesmente largar seu emprego e virar um astro de rock. Você precisa se sustentar. Mas se decidir que música realmente é a sua paixão, mas você está estudando Direito, que você odeia, é preciso descobrir uma maneira de mudar devagar o rumo da sua vida para a direção que lhe agrada e de alguma forma combinar as habilidades que tem. Você nunca deve sentir que perdeu seu tempo. Tudo o que você faz na vida lhe traz novas habilidades. Não se trata de ficar famoso e conseguir muito dinheiro, mas de encontrar uma carreira que lhe preencha. Você passa uma parte tão grande da sua vida no trabalho que não ter satisfação nele é muito triste.
E como encontrar a sua paixão?
Primeiro, tente lembrar da infância. Você consegue lembrar de quando tinha quatro, cinco anos? De algumas coisas que você amava fazer? Quais eram as atividades e assuntos que te interessavam? Depois, quando você cresceu um pouco, o que você odiava? Estudar matemática? Tente aplicar isso mais e mais ao presente. Tente desenvolver um senso do que você realmente gosta e desgosta, em oposição ao que os outros te dizem para gostar ou não. É preciso se reconectar consigo mesmo, com o que te faz diferente. Não ouça a mídia social, o Facebook, o 'eu deveria gostar disso ou daquilo'. Nos jornais e na internet, quais são os assuntos que lhe interessam? Quais são aquelas coisas que você precisa ler com aquela avidez da infância? Aí, luzes começam a se acender.
E aquelas pessoas que são apaixonadas por mais de uma coisa, elas deveriam escolher uma de suas paixões para se dedicar?
Não necessariamente. Existem pessoas que são genuinamente boas em várias coisas e há aquelas que mudam de A a B, de B a C, de C a D, porque estão entediadas ou inquietas. Elas nunca querem passar pelo sofrimento que envolve anos de estudo. Quando aprender a tocar piano se torna difícil e tedioso, eles desistem e tentam outra coisa. Nesse caminho, você nunca conseguirá alcançar nada. Yoky Matsuoka é uma engenheira de robótica. Ela adora vários ramos da ciência, mas não quis se especializar em nenhum deles. Formou-se em engenharia elétrica na faculdade, e depois se envolveu no design de robôs. Ela não achou interessante o suficiente e foi estudar neurociência. Estudou três ramos da ciência, porque ela continuava a ter curiosidade e queria avançar. E daí ela foi capaz de combinar todas essas coisas que aprendeu durante dez anos numa nova área do conhecimento que ela criou, que é tentar fazer robôs mais parecidos a humanos, descobrindo como mimetizar a nossa biologia eletricamente para criar uma prótese de um membro, por exemplo. Ela criou seu próprio campo, porque aprendeu todas essas coisas. Agora ela está no Vale do Silício trabalhando com negócios e desenvolvendo tecnologia. Ela tem cinco ou seis habilidades brilhantes que é capaz de combinar de uma maneira que ninguém mais no planeta pode. Isso é maestria. Mas ela foi a fundo em cada um desses ramos, ela não aprendeu só um pouquinho deles.
É possível realmente ser apaixonado por uma coisa, mas ser incapaz de se destacar na área?
O time de basquete New York Nicks teve um técnico nos anos 90 que amava o esporte, mas era baixinho. Ele nunca teria conseguido se tornar um jogador de basquete. Tem gente que ama música, mas não tem realmente a habilidade para ser um Mozart ou um Tom Jobim. Não significa que você precise desistir da música. Você pode ser um produtor ou pode abrir um negócio na área. Ser um agente para um músico, mas não deve desistir do que ama. Você precisa descobrir o que ama e de alguma forma se conectar a isso, não necessariamente diretamente e da maneira mais óbvia. O Steve Jobs amava computador e tecnologia, mas não era um bom engenheiro. Ele percebeu que era bom no design. E, ao invés de fazer o design de casas, ele fez o design de computadores. Ele achou uma maneira de trabalhar com o que amava, mesmo sem ser talentoso na principal parte, que é a engenharia.
Você defende que inteligência emocional é mais importante para se tornar um mestre do que QI. Por quê?
O QI é extremamente sobrevalorizado. Veja o exemplo de Charles Darwin. Seu primo tinha o QI muito mais alto, talvez até no nível de gênio. Já Darwin tinha um QI alto, mas não na categoria dos gênios. Mas foi Darwin quem se tornou o grande cientista da Europa moderna, por causa de uma qualidade emocional. Esse homem era muito paciente e persistente. A inteligência emocional é a capacidade de controlar suas emoções, ter disciplina e paciência e saber o que você ama. Essas qualidades são mil vezes mais importantes do que a habilidade intelectual, porque se você tiver esse nível de desejo, paciência e compromisso você irá alcançar algo incrível. Thomas Edison, por exemplo, não tinha educação, foi autodidata, veio de um background bem pobre. Ele disse inúmeras vezes que foi a sua persistência que o separou dos outros.
Você defende que um mentor pode ajudar muito no desenvolvimento da maestria. Como você escolhe um mentor?
Um mentor faz economizar tempo. Mostra os erros que ele cometeu, no que trabalhar, no que não trabalhar. Sem um mentor, você pode levar dez anos para se tornar um mestre em determinado campo. Com um, seis, sete anos. Eles te dão feedbacks incríveis. Mentores são como um segundo pai. É relação emocional. É preciso ter uma conexão com ele, porque se você admirar e respeitar o seu mentor, você estará mais predisposto a aprender com ele. Sua mente se abre, você fica mais próximo daquela criança que foi um dia. Se o mentor gostar de você, ele terá mais disposição para te contar segredos. Você quer essa conexão emocional. Você não deve procurar a pessoa mais famosa ou bem-sucedida, mas aquela com a qual você se conecta e gostaria de ser igual a ela daqui a 10, 20 anos. É como escolher uma mulher ou um marido. Pode ser a chave para o seu sucesso.
Fonte: epocanegocios.globo.com
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