Por Marinete Veloso
Aos sete anos de idade, Howard Schultz, fundador da Starbucks Coffee Company, sofreu um trauma emocional que o abalaria profundamente, a ponto de mudar sua vida para sempre. Ele morava com a família em um conjunto residencial no bairro do Brooklyn, em Nova York. Seu pai, motorista de caminhão, em uma das rotineiras entregas que fazia, escorregou na neve e quebrou o tornozelo. Por causa do acidente, foi demitido da empresa para a qual trabalhava, perdendo, com isso, o benefício da assistência médica. Para piorar as coisas, a mãe de Schultz, grávida de sete meses, não conseguiria arranjar emprego. Sem reservas financeiras, numa época em que ainda não havia indenização para empregados, a família passou por sérias dificuldades.
A lição que Schultz tirou dessa experiência foi a de prometer a si mesmo que um dia ergueria uma companhia em que os funcionários seriam bem tratados e, sobretudo, que contariam com o benefício da assistência médica. Anos depois, a Starbucks se firmaria como a primeira empresa americana a oferecer cobertura de saúde até a empregados temporários, com carga horária de trabalho de apenas 20 horas semanais. "Parte do que sempre me motivou na vida foi o medo do fracasso. Eu sei muito bem o que é a derrota", observa Schultz, hoje presidente do conselho de administração da empresa.
Esta é uma das histórias contadas no livro "Autenticidade", de Bill George, ex-presidente da Medtronic, líder mundial de tecnologia médica. O autor procura mostrar os caminhos do que classifica como liderança autêntica. Segundo ele, o líder deve revelar, em suas atitudes, os verdadeiros princípios que acumulou ao longo de sua história de vida; precisa ser natural e autêntico, saber liderar e ao mesmo tempo ser fiel a si mesmo. George observa que, em muitos casos, sob pressão dos acionistas para aumentar os lucros no curto prazo, as empresas escolhem líderes por seu carisma em vez de seu caráter; por seu estilo e não por sua essência; por sua imagem e não por sua integridade. "Esse padrão equivocado resulta, muitas vezes, nas pessoas erradas em posições críticas de liderança."
O autor parte do princípio de que cada líder precisa conhecer a essência de sua liderança. Da mesma forma que uma bússola aponta para seu polo magnético, o verdadeiro norte do líder o orienta na direção do propósito de sua liderança. "Quando você segue sua bússola interior, sua liderança é autêntica. Ela é seu ponto de referência, aquilo que ajuda você a se manter no caminho certo como um líder", diz.
Para escrever o livro, George foi a campo buscar respostas sobre como tornar-se um líder autêntico. Estabeleceu uma lista de 125 líderes a serem entrevistados, reconhecidos por suas reputações e também pelo que ele próprio (premiado por várias entidades como um dos melhores líderes dos últimos 25 anos) considera autênticos. Além de Howard Schultz, fundador da Starbucks, o livro traz histórias de Dan Vasella, CEO da Novartis; Nelson Mandela, líder sul-africano, prêmio Nobel da Paz; Oprah Winfrey, apresentadora de TV e proprietária da produtora Harpo; Reatha King, presidente da Fundação General Mills; Dick Kovacevich, CEO do Wells Fargo Bank; Ian Chan, fundador da U.S. Genomics; e Narayama Murthy, fundador da Infosys Technologies, entre outros.
Dessa lista com centenas de nomes, em que metade deles é formada por CEOs, constam homens e mulheres de várias etnias, nacionalidades e históricos socioeconômicos, cujas idades variam de 23 a 93 anos. Para o trabalho de coleta de informações, George trabalhou com Peter Sims, cuja parceria é anunciada na capa do livro.
"Analisando as 3 mil páginas de transcrições, nossa equipe se surpreendeu ao ver que esses líderes não apresentavam nenhuma característica, traço ou habilidade universais que explicasse o sucesso de cada um. O único elemento que une seus estilos de liderança tem origem em suas histórias de vida. Isto quer dizer que, quando testados pelo mundo real, ao mesmo tempo em que resgatam suas histórias pessoais para entender quem são, esses líderes liberam suas paixões e descobrem o propósito de sua liderança", explica George.
O autor destaca que, nos últimos 50 anos, estudiosos da liderança conduziram mais de uma centena de estudos na tentativa de identificar os estilos de liderança e as características ou os traços definitivos de personalidade dos grandes líderes, mas nenhum desses estudos conseguiu traçar um perfil claro do líder ideal. "Com as entrevistas, ficou claro para mim por que não conseguiram", afirma. "Líderes são seres humanos altamente complexos, pessoas de qualidades diferenciadas que não podem ser suficientemente descritas por compilações de traços ou características. São definidos por suas histórias de vida, que são singulares, e pela forma como as respeitam e confiam nelas para descobrir o propósito de sua liderança."
Segundo George, quando um líder é autêntico, as pessoas confiam nele; com isso, pode motivá-las a atingir níveis notáveis de desempenho. O líder autêntico está mais interessado em servir aos outros do que em seu próprio sucesso ou reconhecimento. "Isso não quer dizer que sejam perfeitos. Cada líder tem suas fraquezas e todos estão sujeitos às fragilidades e aos erros humanos." A diferença é que sabem reconhecer suas deficiências; como agem naturalmente, isso não abala a confiança e a admiração que despertam nas pessoas.
Mas esse não é um percurso fácil, explica George. "Para ser um líder eficaz, é preciso assumir a responsabilidade por seu próprio desenvolvimento. Da mesma forma que médicos ou atletas nascem com talento e treinam incansavelmente para aperfeiçoá-lo, é fundamental que ele dedique a vida inteira ao seu desenvolvimento se quiser tornar-se um grande líder".
George dividiu o livro em três partes. Na primeira, denominada "Liderança é uma jornada", apresenta histórias de líderes, tanto daqueles bem-sucedidos, como Schultz, da Starbucks, quanto daqueles que se perderam, que não chegaram a bom termo na procura de sua realização profissional. Em cada caso, analisa as razões dos resultados obtidos.
Na segunda parte, "Descubra sua liderança autêntica", George explica como o líder pode encontrar sua bússola e traçar um plano de desenvolvimento para se manter fiel a seus princípios, ao mesmo tempo que enfrenta os desafios do mundo à sua volta.
Na terceira parte, "Delegue para liderar", George descreve como o líder pode descobrir seu perfil de liderança e inspirar pessoas com base em um propósito compartilhado.
Todo esse processo gira em torno de cinco dimensões que, segundo George, formam um líder autêntico: buscar propósitos com paixão; praticar valores sólidos; liderar com o coração; cultivar relacionamentos duradouros; e desenvolver a autodisciplina.
Além da Medtronic, onde foi CEO, Bill George trabalhou para Honeywell e Litton Industries. É consultor e professor de práticas de gestão da Harvard Business School e autor de cinco outros títulos na área de gestão. O prefácio é assinado por David Gergen, também professor em Harvard, que durante três décadas atuou como conselheiro presidencial nos governos de Richard Nixon, Gerald Ford, Ronald Reagan e Bill Clinton. Em seu texto, Gergen descreve, resumidamente, o estilo de gestão de cada um dos ex-presidentes e como foi trabalhar com eles.
No epílogo, George traz suas reflexões sobre como a liderança pode ser gratificante. "Nenhuma realização individual pode se comparar ao prazer de liderar um grupo de pessoas para atingir uma meta digna. Ao cruzar juntos a linha de chegada, toda dor e sofrimento que você pode ter sentido rapidamente se esvaem. E são substituídos por uma profunda satisfação interior de saber que você fez a diferença".
"Autenticidade - O Segredo do Bom Líder é Ser Fiel a Seus Princípios"
Bill George e Peter Sims. Editora: Saraiva. 264 págs., R$ 39,90
Fonte: www.valor.com.br
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