Por Renato Bernhoeft
A melhoria dos índices sócio-econômicos, maior ascensão social, aumento do poder de consumo e redução dos índices de desemprego não são, necessariamente, garantias para que a população reduza seu grau de desconforto. E também não representam, automaticamente, melhoria na qualidade de vida das pessoas.
É evidente que os protestos ocorridos no Brasil e em vários outros países podem ter causas das mais variadas, embora, na sua origem e essência, tenham como demanda as necessidades básicas como educação, saúde e transportes. Vale registrar, adicionalmente, que a mobilidade social, com tudo de positivo que representa, pode se transformar também em um gerador de maiores exigências, que se manifestam de diversas formas.
Um exemplo pode ser o aumento desmedido no desejo de consumo, alimentado por uma publicidade esperta e manipuladora. O maior acesso a informação, viabilizado pelas diferentes mídias, cria referências e modelos de vida comparativos, gerando inquietudes, desejos e aspirações.
No mundo corporativo este sintoma aparece na estrutura hierárquica, salarial e planos de carreira. Submetido a todo esse complexo quadro que estimula a competitividade e a busca constante pelo sucesso e por símbolos de “status”, muitos indivíduos perdem a noção dos limites.
Correm o risco, assim, de ingressar em uma espiral de insatisfação permanente que afeta seus sonhos, aspirações e objetivos de vida. Ou seja, dificulta a capacidade de estabelecer limites entre aquilo que se aspira de forma genuína e os desejos ou necessidades geradas pelos estímulos ao consumo como um fim em si mesmo.
Em artigo recente intitulado “O mal-estar contemporâneo”, publicado no Valor, o brilhante economista André Lara Resende, traçou um diagnóstico que merece nossa atenção. Diz ele que “a relação entre renda e bem-estar só é claramente positiva até um nível relativamente baixo de renda, capaz de atender às necessidades básicas. A partir daí, o aumento de bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e ausência de estresse emocional.”
Prossegue dizendo que “para manter a sensação de bem-estar, precisamos de mais e novas aquisições. O consumismo material tem elementos parecidos com o uso de substâncias entorpecentes, que causam dependência física e psicológica.”
O alerta é importante especialmente quando analisamos os indivíduos nos vários papéis que vivem ao longo das várias etapas de sua existência. Ou seja, tanto como cidadão, pais, cônjuge, profissional e membro de grupos sociais, devemos ter noção dos limites daquilo que desejamos ou ambicionamos.
Mais ainda quando também fazemos esta reflexão nas diferentes etapas da vida. Seja como jovem, na meia-idade, maturidade ou na velhice, os graus de desejos e necessidades podem ser bem diferentes. Mas estas dimensões não funcionam de forma isolada. Elas se interligam por meio de um projeto de vida que visa manter qualidade como uma razão do ser, além de terem que dar sentido à própria existência.
Portanto, considerar todas estas variáveis não deve ser algo apenas momentâneo ou considerado apenas em momentos de crise. Isso faz parte da obrigação de cada um e não pode ser delegado a terceiros.
Fonte: www.valor.com.br
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