No Brasil, as mulheres ocupam 14% dos cargos de direção, mas um grupo crescente de empresas tenta reverter o quadro. O desafio é convencê-las de que o esforço vale a pena
Por Michele Loureiro e Patrícia Ikeda
Em uma empresa brasileira típica, as mulheres ocupam apenas 17% dos cargos de diretoria executiva. Também recebem menos do que seus colegas homens — a remuneração anual média das diretoras executivas é 903?000 reais, ante 1?064?000 reais dos diretores, de acordo com um levantamento da consultoria de recursos humanos Hay Group.
São números difíceis de entender se levarmos em conta que as mulheres respondem por 63% dos diplomas universitários brasileiros.
Uma possível explicação para isso, como mostrou recentemente Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook em seu livro Faça Acontecer, é a falta de ambição. Sheryl usa dados da consultoria McKinsey para mostrar que 36% dos homens querem se tornar presidente de suas empresas, ante apenas 18% das mulheres.
Mas ela reconhece que as empresas levam parte importante da culpa. “O local de trabalho não evoluiu dando-nos a flexibilidade de que precisamos”, diz.
Esse é um gargalo que, obviamente, não foi descoberto por Sheryl nem é exclusividade do Facebook. No Brasil, um grupo crescente de empresas se deu conta de que jogava contra a ascensão de suas funcionárias — e criou políticas para derrubar as barreiras que impedem as mulheres de chegar ao topo.
O primeiro desafio das empresas é mostrar às mulheres que vale a pena sonhar com os cargos de liderança. De acordo com o mesmo estudo da McKinsey, apenas 14% das mulheres acreditam que os altos cargos compensam os custos que vêm no pacote — sobretudo o tempo fora de casa. É o que se vê na prática.
As mulheres começam a perder espaço dentro das empresas nos cargos de gerência, que costumam chegar junto com o desejo de ter filhos, pouco antes dos 30 anos.
A fabricante de bens de consumo Procter&Gamble começou a tentar mudar esse panorama em meados dos anos 2000, quando constatou que apenas 10% dos gerentes eram mulheres.
A solução foi oferecer mais flexibilidade de horário, home office e licença-maternidade de um ano. Atualmente, 50% dos cargos de liderança da empresa são ocupados por mulheres. “Sem essas políticas seria inviável chegar aonde cheguei”, diz Renata Garrido, diretora jurídica da empresa, que foi promovida duas vezes depois de voltar de duas licenças.
As ações criadas pela P&G não são exclusivas para as mulheres. Os homens também têm direito a horários flexíveis e a trabalhar em casa. Mas, em geral, são elas que dão mais valor à flexibilidade — e não só quando têm filhos pequenos.
A Coca-Cola percebeu isso em 2011, quando ampliou uma política global para aumentar o número de funcionários que trabalham alguns dias por semana de casa e que seguem horários mais flexíveis. A maioria das pessoas que aderiram à prática é mulher. Desde então, o percentual de executivas na empresa passou de 23% para 28%.
“No Brasil, onde a mão de obra é escassa, é ainda mais complicado perder mulheres”, diz Raissa Lumack, vice-presidente de recursos humanos da Coca-Cola Brasil.
Faltam referências
Um círculo vicioso também impede que as executivas subam na hierarquia corporativa. Como menos mulheres ocupam cargos de liderança, existem poucos nomes em quem as recém-chegadas possam se inspirar — e a quem possam pedir conselhos.
Sem essa referência, sua ascensão fica comprometida. “Homens e mulheres que tenham quem os recomende têm mais chance de conseguir tarefas além de suas atribuições e aumentos salariais”, diz Sheryl em seu livro. “Infelizmente, para as mulheres, os homens têm mais facilidade em adquirir e manter esses contatos.”
A própria Sheryl deu um impulso na carreira graças a Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano. “A tendência é que os homens recomendem mais homens aos cargos executivos. Se isso não fosse realidade, já deveríamos ter um equilíbrio”, diz Marise Barroso, presidente da fabricante de painéis de madeira Masisa.
Uma saída adotada por algumas empresas é criar programas de mentoria específicos para elas. A consultoria KPMG começou em 2012 um projeto no Brasil para 15 jovens mulheres de alto potencial. Elas próprias escolhem executivos — homens e mulheres —, com quem passam a se encontrar a cada 45 dias para discutir a carreira.
“Preparamos os mentores para que pensem diferente. Ainda há uma cultura machista no Brasil de que um homem não pode orientar uma mulher”, diz Ieda Novais, diretora corporativa da KPMG.
O varejista Walmart criou um grupo que reúne funcionárias que passam a ter encontros frequentes com a alta liderança e fazem uma rotação por diversas áreas da empresa. Em 2012, foram 104 participantes.
As vantagens de aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança são difíceis de calcular. Mas há um detalhe que nenhum executivo de recursos humanos pode ignorar: abrir mão das mulheres é abrir mão de metade dos universitários brasileiros num momento de carência crônica de mão de obra.
O megainvestidor americano Warren Buffett, terceiro homem mais rico do mundo, já disse que uma das razões de seu sucesso foi o fato de ter brigado por espaço com apenas metade das pessoas.
Para as empresas, nunca foi tão importante lutar para mudar o mundo descrito por Buffett. Atrair mulheres para o topo da hierarquia não é feminista ou politicamente correto — é apenas inteligente.
Fonte: exame.abril.com.br
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