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Coluna do Marco - Encantamentos


Encantamentos

Fui buscar minha família na volta das férias e o avião iria aterrissar no aeroporto de Campina Grande na Paraíba, cheguei uns trinta minutos antes do previsto para o pouso, me acomodei numa das mesas de uma lanchonete e pedi um cafezinho. Notei que um grupo de pessoas das mais variadas idades estava olhando pelas janelas do pequeno aeroporto. Contei as janelas e o número de curiosos em frente a cada uma delas, calculei por alto e de forma bastante imprecisa um pouco mais de noventa donos de pares de olhos buscando eu não sabia ao certo o quê.

Perguntei à moça do cafezinho:

- O que aquelas pessoas tanto olham para o lado de fora?

A menina me confirmou o que minha desconfiança martelava na cabeça, era o avião. Perguntei se ele já havia pousado e ela me informou que ainda não, mas que estava para chegar. Falei para a atendente da lanchonete que na placa de informação estava indicando que levaria pelo menos mais uns vinte e cinco minutos e indaguei se aquela gente toda iria ficar ali olhando para a pista. A moça deu um sorriso e respondeu que sim.

Pensei, que besteira ficar olhando pra uma pista vazia só pra ver o avião chegar. Dei meu veredicto preconceituoso. 

- Gente atrasada que parece que nunca viu um avião...

Depois, recuperando minha veia de curioso e acendendo a velinha da tolerância que a idade por vezes possibilita iluminar o que é estranho, perguntei de mim para mim mesmo.

- E você, na primeira vez que foi ao aeroporto não ficou espantado também?

E tem mais, pensando de forma mais profunda sobre o assunto, não é que mesmo depois de já ter feito algumas viagens de avião, onde na primeira nem sabia amarrar o cinto de segurança, eu ainda fico danado de encafifado de como um trem daquele tamanho sai do chão e fica no ar voando sem cair, é realmente espantoso, que coisa porreta.

É um processo muito chato e nada interessante ou construtivo este que se dá na cabeça da gente onde as coisas não chamam mais a nossa atenção e acabam perdendo o encantamento, a graça e até o que pode parecer belo acaba se tornado reles e desinteressante.

Trabalhei anos em São Paulo e morava em Santos, todos os dias fizesse chuva ou sol lá ia eu subir e descer a Serra do Mar, fiz tantas vezes este trajeto que parecia estar ligado no piloto automático, ligava na região do ABC e só desligava na entrada da cidade de Santos. Nem via o caminho direito. Saí desta rotina, saí da baixada e mais de quinze anos depois voltei e a visão da descida da Serra do Mar, aquela mesma serra que tantas vezes desci me emocionou de um jeito surpreendente, que visão maravilhosa era aquela, um abismo de tirar o fôlego e por tudo que significava rever aquela paisagem um nó resolveu se estabelecer na minha garganta... 

Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, olha que tive que me segurar para não passar vexame na frente das pessoas diante daquele visual tão comum para muitos que viajavam no ônibus e outros até dormiam profundamente sem se importar com nada que estava sendo exibido na Tv Janela.

Quando participei de um projeto de capacitação para atendimento ao turista, havia entre tantas atividades uma que era muito forte e interessante de trabalhar.

Tratava-se de uma sensibilização em que os alunos do curso deveriam voltar para suas casas no fim do dia e no trajeto foram convidados a sentir os cheiros do caminho, perceber as cores das casas, ver as pessoas nas calçadas, verificar se tinha algo que não haviam notado ainda, uma árvore, uma nova construção, alguma mudança neste trajeto tão cotidiano, tão comum e até certo ponto tão pouco estimulante para ser observado. Pois bem, na aula seguinte sem que ninguém estivesse preparado colocávamos todos em uma sala com luz de velas, com cheiros, sabores, músicas, imagens e dançávamos ritmos diversos e brincávamos de ciranda e ao término acendíamos as luzes e as pessoas iam dizendo o que sentiram, lembraram ou sua impressão sobre a atividade.

E eram tantas as lembranças de lugares, pessoas, situações etc. que muitos iam às lágrimas por reviverem coisas que pareciam soterradas pelo cotidiano e pela velocidade dos fatos que se sucedem no dia a dia. 
Macumba? Pajelança? Hipnose? Histeria coletiva?

Nada disto, na minha humilde avaliação era um exercício que possibilitava a recuperação da nossa capacidade de sentir, usar os sentidos para que estes voltem a se encantar com as coisas que de fato são importantes e que acabam se tornando aparentemente sem valor na linha do tempo. Pequenas coisas, grandes impressões... 

Tem um comercial de um grande banco passando na televisão e na internet que mostra um cidadão careca e banguela sentado num sofá e gargalhando de maneira exagerada quando rasgam um papel na frente dele. Quer discrição de uma cena mais besta e sem graça do que esta? 

Poderia até ser, se o cidadão citado não fosse um bebê que é como dizem, uma fofurinha de neném. E a gargalhada da criança acaba por nos contagiar e fica difícil resistir e não deixar escapar pelo menos um sorriso assistindo a cena. 

E o quanto mexe comigo o sorriso banguela de minha avó...

E o sorriso de tantos velhinhos num asilo que visitei?

No excelente filme nacional Cinema, Aspirinas e Urubus um alemão e um sertanejo se encontram e passam a viver algumas aventuras no agreste brasileiro, lá pelas tantas o nordestino critica o alemão 
- tudo que você vê fica dizendo, “interessante, muito interessante.. que cabra besta pra achar tudo interessante”

O que para um era coisa comum e sem valor para o outro era desafiador a compreensão e lhe causava estranheza, mas não repulsa.

De um papel sendo rasgado ao voo de um avião existem muitas coisas que nos causam encantamento e não devemos perder esta capacidade. É certo que as situações cotidianas e a vivência pode fazer com que nos tornemos mais insensíveis ao que pode parecer interessante. Passamos batidos pelo nascer do sol porque achamos um saco ter que acordar tão cedo para trabalhar, achamos a chuva caindo no telhado um estorvo, pois sair com chuva é desagradável, o sol brilhando num dia de verão é ruim demais para nossa pele. O verde da uma mata ao redor da estrada é por demais monótono, ao ponto de sequer observarmos se tem pássaros nos galhos, um vizinho cantando logo cedo pode nos fazer perder o sono... 

Enfim, tudo pode nos levar ao desapego e ao aborrecimento com a própria vida, vendo problemas onde deveria ver magia. Volto meu pensamento para coisas que me encantam e concluo que não são poucas e muitas das pessoas com as quais convivo e gosto de conviver possuem este mesmo sentimento e retiram de cenários, das sensações, das vivências e de situações que podem parecer corriqueiras, momentos de prazer e celebração da vida.

Penso em aumentar esta motivação de saber e conhecer tudo nesta caminhada até o fim da minha existência, ampliar cada vez mais esta sensação de me afetar com o que o mundo tem e ficar atento a tudo que eu possa lançar meus sentidos. Nada deverá me passar despercebido, nada deverá ser alheio a mim. E assim pensando devo refazer alguns passos e rever alguns conceitos, então: 

- Chega pra lá conterrâneo que eu também quero ver o avião pousar...

Marco Antonio
Cronista e Escrivinhador


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