Caminhos dos sonhos
Estive pensando nas invencionices do ser humano... A televisão com o mundo sendo mostrado naquela caixinha é um invento danado de divertido, a internet é uma coisa espetacular pra gente achar antigas amizades e fazer novas, a invenção e utilização da roda encheu a humanidade com possibilidades de poder carregar os troços e atingir velocidades inimagináveis para nossos parentes das cavernas.
Porém, agarro-me a pensar numa coisa que parece não ter sido inventada propositadamente, pelo menos no início, mas que fez com que o homem tenha chegado aonde chegou, literalmente.
Estradas são meios pelos quais vamos seguindo para se chegar onde precisamos, onde queremos, ou nem uma coisa nem outra. Percorrer estradas é realmente o grande desafio da aventura humana. Quando eu era menino, os críticos do governo militar lascavam a lenha na Transamazônica, uma epopeia, uma grande aventura que tinha por objetivo criar uma possibilidade de locomoção dentro da floresta na região norte do Brasil, rasgando uma picada bem comprida dentro da selva amazônica e levar o desenvolvimento para as regiões ditas atrasadas do país. Pois bem, os oposicionistas do governo diziam que seria uma estrada que iria sair do nada e levaria a lugar nenhum.
Onde fica o nada? Em que parte do caminho podemos afirmar que chegamos a lugar nenhum?
Passados os anos me deparo com esta realidade, morando na cidade de Cabedelo na Paraíba, indo e vindo pela estrada que me leva as minhas pescarias, quase na saída da cidade me deparo com uma placa emblemática para mim...
“Aqui começa a Transamazônica, Km 0”.
Pai eterno vim parar no nada?
Quando os primeiros macacos (certo, concordo, não eram macacos de verdade) desceram das árvores e começaram a amassar o mato por onde passavam e eram seguidos por outros que deviam achar interessante este jeito engraçado de andar ereto com apenas os dois membros inferiores, iniciou-se ali a verdadeira aventura humana. Tudo que veio a partir daquilo, sejam autopistas, buracos de metrô, rotas marítimas ou aéreas, viagens espaciais, nada mais são estas tranqueiradas todas que variações daquela picada no meio do mato amassado pelos pezinhos cabeludos dos nossos antepassados, destrepando do galho e pisando no mato. Para mim a ação de descer da árvore foi um ato mais que revolucionário, o homem primitivo (não o macaco) deixa sua área de conforto e parte para o desconhecido. Isto é o que move a humanidade, há que se ter muita coragem para se lançar na estrada.
E assim cada qual tem sua própria árvore para descer e seu caminho para percorrer.
Nós humanos geralmente engatinhamos antes de andar, e ao iniciar o andar explora-se o espaço do quarto, logo até a sala, até a cozinha, a casa inteira. E a porta se abre...
Lá fora o mistério do desconhecido e a curiosidade proposta pelo mistério do que não se sabe nos convidando a andar para cantos cada vez mais distantes.
Tchau pai, tchau mãe, eu vou por ai.
Andar é próprio do homem, o caminhar pela estrada nos proporciona possibilidades de conhecimentos e muitas vezes sequer sabemos o que nos move neste impulso. Nada se procura com muita certeza e muito se acha na dúvida, o instinto nos impulsiona a andar, seguir em frente. Por vezes escolhemos nossos caminhos, por outras vamos na direção que a estrada segue.
Sim claro, em muitas ocasiões pegar a estrada é intencional, este vai para Nova Iorque, aquele para Milão o outro está com passagem para Conceição de Piancó, aquela seguirá para os Lençóis Maranhenses, o Amstrong para a Lua, o Nelson para Trafalgar, O Marco Polo para a China, o Sebastião para as cruzadas, o Maomé para o deserto e eu no quilometro zero da Transamazônica com uma certeza medonha de que onde estou não é o nada.
Uma ponte é um pulinho, uma viagem de avião um pulão, se ando de navio atravesso o chão molhado, se vou á lua ando no espaço com os pés apontados sempre para frente. Queremos ir onde outros já foram, desejamos estar onde ninguém jamais esteve e conhecer a sensação de estar lá. Certamente estar lá, seja onde lá for, é muito diferente de imaginar o lá. Por isso temos que ir e ver a cara do lá.
Lembro bem de uma viagem de trem que fiz para conhecer um conjunto de cachoeiras na Serra do Mar. Muita gente dizia que o lugar era maravilhoso e merecia ser visitado. A estação que descemos ficava há pelo menos uns cinco quilômetros de onde seriam as cachoeiras. Que sofrimento, descemos na estação de Pai Matias, andamos feito camelos com mochilas nas costas, chuva no caminho, roupas encharcadas chegamos ao local.
Pareceu-me por demais enfadonho andar na lateral da estrada de ferro pra ver o mato e tomar banho de cachoeira naquele frio, para outros do grupo o local era lindo.
Que meio do nada, que canto nenhum pensei eu. O local é maravilhoso, enfim chegamos pensou aquele outro. Intuo então que o nada é o que não se encontrou ainda e lugar nenhum é apenas uma parte do caminho, é o meio e não o fim.
Ir pela estrada é buscar algo, é ir atrás de um sonho.
O homem saiu da África, atravessou o estreito de Bering, andou andou e acabou povoando o mundo, isto porque, creio eu, sempre que olhava para um lado via ao longe um lugar mais além e talvez pensasse:
- E se eu fosse até mais ali adiante?
- Por que não ir ver o que tem naquele canto acolá?
E assim sonhava com coisas melhores ou diferentes e assim seguia na direção do olhar curioso e outros o acompanhavam e outros paravam e se estabeleciam dando por finda a viagem, mesmo que aquele lugar parecesse o meio do nada ou lugar nenhum para o que queria continuar a caminhada e seguir em frente.
A eterna busca do homem o faz caminhar. Abraão ouviu uma voz e saiu andando sem paradeiro nem bussola somente atrás de uma promessa. O povo de Abraão estava estabelecido no Egito e chegou um moço de nome Moisés e convenceu um bocado de gente que teriam que varar deserto afora atrás de uma terra prometida. Eita gente pra gostar de caminhar até por onde não havia estrada.
Gêngis Khan, Alexandre O Grande, Cezar e muitos outros lideres políticos e militares andaram a pé ou a cavalo perseguindo um sonho, algum sonho ou delírio.
Mao Tsé Tung atravessou boa parte da China falando para o povo que morava no campo para andar junto dele e assim ter um país melhor, convenceu ganhando os chineses na conversa e estes ingressaram na caminhada coletiva que ficou conhecida como A Grande Marcha. No Brasil Luiz Carlos Prestes, antes de Mao, saiu pelo país zanzando de canto em canto conversando com os camponeses que seria muito bom andar com ele e que assim teriam um Brasil melhor, não convenceu, mas bateu o recorde mundial de caminhada com a Coluna Prestes. Até Forrest Gump, mesmo sendo um personagem de filme e fraco da cachola, um dia resolveu sair de casa seguindo pela estrada, andou, correu, andou mais um tanto e chegou onde queria, uma estrada que o levasse de volta pra casa.
As razões para ir pela estrada são muitas e acontecem todos os dias em nossas vidas.
Andar para mim é o efeito colateral de estar vivo, manter o espírito de seguir pela estrada e buscar novas fronteiras é ultrapassar a condição de mero expectador e exercer a capacidade de transformação do sonho em realidade.
Sendo assim vou fechar portas e janelas e meter o pé na estrada que a vida me chama...
Marco Antonio
Cronista e escrevinhador
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