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Coluna do Marco - Ritos de Passagem



Ritos de Passagem

Em muitas sociedades tribais consideradas primitivas e mesmo nos dias de hoje em organizações sociais mais modernas existem uma série de rituais para que o jovem ou iniciante em determinadas carreiras, universidades, clubes e grupos seja aceito pelos demais, os ditos veteranos.

Este ritual de iniciação no grupo vai desde testes de resistência à dor feito por jovens de tribos indígenas amazônicas como a dança das formigas tucandeiras ou situações vexatórias tais como, beber até cair e passar maus bocados ou ficar careca, sujo e esmolambado pedindo dinheiro em semáforos, coisa que alguns universitários impõem aos jovens calouros que tiveram a sorte ou azar de passar naquele processo seletivo.

Parece que as pessoas têm uma fixação pelo sofrimento alheio que devem provar que são dignas de estar onde os outros estão através de sofrimento e penúria. Algo como, “Pensa que é fácil estar aqui? Tem que sofrer, tem que ralar...”.

Lembro dos meus primeiros empregos e de como era tratado pelos colaboradores, que na época eram chamados de empregados, mais velhos. Na feira, aos treze anos, tinha que carregar caixotes de materiais que seriam para um adulto carregar e os outros sádicos vendo o esforço do Zé Mané aqui resfolegando com o peso e achavam engraçado aquela formiga raquítica fazendo uma força lascada pra não fazer feio e não perder o emprego.

Devo confessar que este calvário durou pouco. Seis semanas depois eu abandonava, por pressão alheia, minha promissora carreira de feirante. Não pelo motivo de não conseguir carregar os caixotes, pois o vício do cachimbo faz a boca torta e me acostumei com o peso e também deixaram de pegar no meu pé e de colocar caixas pesadas no meu lombo.

O motivo de eu ter sido vitima do Downsizing, ou de um pé na bunda, foi que a barraca da feira em que eu trabalhava era de pastel e esta é uma iguaria que até hoje me enche os olhos e a pança. Eu consumia pasteis em quantidade cavalar, trabalhava em proporções de caprino e o dono, seu Thaíra, japa legítimo, achou que eu estava longe do rendimento do modelo toyotista.

Um ano depois estava eu no meu primeiro emprego de carteira assinada como Office boy e ai sim aprendi com uma série de pedidos absurdos feitos pelos funcionários mais antigos que algumas coisas simplesmente não existiam ou que haviam trabalhos que não tinham o menor sentido de serem feitos.

Régua de medir juros não existia. Apesar das pessoas da contabilidade ficarem me solicitando a toda hora que fosse buscar tal régua de um departamento para outro e que depois a devolvesse em outro setor, eu constatei que a régua de medir juros era na verdade uma régua de madeira de cinqüenta centímetros que o máximo que esta ferramenta permitia era traçar uma reta de meio metro com medidas de um milímetro em sua escala.

Não existia a máquina de escrever inglês. Apesar de ficar mudando este artefato de mesa toda vez que alguém me solicitava a máquina para redigir uma carta no idioma de Barak Obama. O que havia de fato era uma máquina Remington de carro duplo (era grande) de metal que pesava uma barbaridade e eu não muito maior de que quando labutava na feira pegava a danada com gosto depois do estagiar nos caixotes da barraca de pastel.

Não devemos lavar papel carbono. Sei que este é um artefato jurássico, mas acreditem houve um tempo em que nos escritórios não existia máquina copiadora, nem impressora e computador era um artefato tão inimaginável como o tele transporte do seriado Jornada nas Estrelas. Assim, quem queria fazer um comunicado em duas vias colocava uma folha de papel carbono entre duas folhas em branco e mandava ver o dedo nos teclados da máquina. Quem quisesse três vias colocava duas folhas de carbono entre as três folhas em branco e tome-lhe o dedo com mais força no teclado.

Quem quisesse quatro vias... Ta bom, já foi entendido.

Mas as folhas de carbono iam ficando gastas e perdiam a propriedade de cópia. Daí, o Toninho da contabilidade, este eu não esquecerei nunca, veio com uma suposta ordem do chefe do escritório, atualmente dizemos Gerente Administrativo, de que era preciso lavar as folhas de carbono para que elas fossem reutilizadas.

Ah idéia desinfeliz...

Quando a água bateu no papel carbono preto foi uma nojeira de tinta que parecia que nunca mais ia parar de sair tinta e a pia do banheiro ficou um lixo.

Estas são algumas das experiências pelas quais passei na minha iniciação no mundo corporativo. O que assisto nos dias de hoje são jovens que se capacitam numa velocidade inacreditável com enorme nível de informação e que já durante o curso universitário fazem cursos de idiomas, cursos paralelos de capacitação, aperfeiçoamento no exterior e cursos de extensão e elaboração de projetos. São verdadeiros foguetes estes meninos e meninas da geração Y. Quando chegam ao mundo corporativo, no entanto não sofrem com as velhas “sacanagens” aplicadas aos funcionários de cargo menor, alguns já chegam mandando nos funcionários mais antigos, mas tem sobre seus ombros uma carga bastante elevada de expectativas com relação as suas competências no mundo real do trabalho. Existe uma observação por parte dos gerentes e diretores da empresa sobre seus passos, estes ficam a espreita para saber se o que consta em seus currículos é realmente aquilo que eles rendem de fato na organização.
Não correspondendo passam a ser vítimas de assédio moral através de cobranças por vezes vexatórias ou piadas que podem acabar com sua alto estima. Ou se conseguem passam a cobrar cada vez mais de si mesmos num processo de crescente critica do seu próprio trabalho levando a síndrome de Burnout e consequentemente a ficarem com os nervos em frangalos.

Realmente não é fácil crescer. Há e sempre haverá uma cobrança física, emocional, intelectual para que o jovem ou inicante seja aceito pelos demais. No entanto, obeservando o que é cobrado do jovem hoje e as consequências que podem advir das falhas e que era cobrado na minha juventude, e os reflexos destas cobranças só tenho vontade de dizer.

- Oh Tião passa pra cá esta caixa pra eu carregar a danada no lombo até o fim da feira...


Autor:
Marco Antonio - administrador e cronista

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