por Tom Coelho
“Há os quase cegos, pois só enxergam o que querem ver. Há os quase surdos, porque só ouvem a sua própria voz”.
(Valmor Vieira)
Um empresário decide expandir sua atividade mercantil. E, consciente da importância de um departamento comercial forte, resolve estruturá-lo mediante a criação de uma Gerência Nacional de Vendas e de Gerências Regionais, além da contratação de vendedores e representantes por todo o país.
O processo seletivo é tecnicamente o melhor possível. Anúncios em jornais de grande circulação sem especificação da empresa contratante; triagem inicial dos currículos recebidos, com base em critérios predeterminados; dinâmicas de grupo conduzidas por psicólogos e em lugar neutro; entrevistas finais com participação do RH.
Formada a equipe, esta segue para um trabalho de imersão em um final de semana, num hotel-fazenda, num ambiente capaz de promover a integração de todos, ocasião na qual os valores, missão e visão da empresa são compartilhados e, fundamentalmente, os produtos são apresentados detalhadamente, permitindo o conhecimento de todas as suas características técnicas, pontos fortes e fracos, principais concorrentes e argumentos de venda.
Findo o treinamento, o exército está formado. Todos estão alinhados, imbuídos do mesmo sentimento e propósitos. Metas estão estabelecidas. O fardamento é novo, o armamento é adequado. O empresário está certo de que, em breve, começará a colher os frutos.
Todavia, decorridos três meses, os resultados são pífios. Poucos negócios fechados, raros clientes fidelizados. A estrutura corporativa sequer tem seu custo operacional suportado. O empresário sente-se traído. E questiona-se: “Onde errei? Afinal, contratei os melhores profissionais, procurei treiná-los e motivá-los, concedi-lhes toda infra-estrutura e suporte possíveis...”
Um profissional de vendas decide ampliar sua carteira de empresas representadas. Compra um jornal de grande circulação no domingo e sente-se seduzido por um anúncio muito ponderado, com proposta de trabalho interessante, porém sem contratante especificado.
Ele envia seu currículo, é chamado para uma dinâmica de grupo, depois para uma entrevista com o diretor da área, acompanhada de perto pelo RH. Sua contratação é efetivada e ele participa de um evento promovido pela empresa em um hotel-fazenda, quando confraterniza com seus novos colegas de trabalho, conhece os propósitos e diretrizes da companhia, além de tomar ciência de toda a linha de produtos.
Porém, transcorridos três meses, os resultados não são satisfatórios. Vários contatos foram feitos, muitos clientes potenciais foram cadastrados. O profissional realizou visitas, efetuou telefonemas, despachou folders e amostras. Conquistou algumas contas, mas em número insuficiente para atender às suas necessidades financeiras imediatas. Ele recorre à empresa, que lhe nega antecipação de comissões – menos porque foge da política de remuneração e mais porque as metas não foram atingidas. O profissional sente-se desrespeitado. E questiona-se: “Onde errei? Afinal, dediquei-me à empresa, coloquei seus produtos em novos pontos de venda, tornando-os conhecidos, vesti a camisa...”
Onde mora a razão?
A verdade está em ambos. Tanto o empresário quanto o profissional de vendas sentem-se frustrados por conta dos resultados em curso muito embora tenham se empenhado. Porém, preocupados em encontrar justificativas, buscam-nas não em si próprios e menos ainda nas dificuldades enfrentadas pelos colegas de batalha. Buscam apenas transferir ônus e responsabilidades.
Ao empresário, falta-lhe a sensibilidade para compreender que alguns frutos demoram a amadurecer por conta da peculiaridade de sua própria semente. Clientes precisam ser conquistados e isso, não raro, demanda tempo. Além disso, para o profissional de vendas, infra-estrutura não é tudo. Mesmo que a empresa lhe disponibilize um veículo, cota semanal de combustível, vale-refeição, material promocional e de apoio a vendas, enfim, mesmo com todo este arsenal, há uma pessoa com necessidades, desejos, anseios e inseguranças por trás desta armadura. Assim, sem suporte financeiro e estabilidade emocional, não há quem tenha disposição de realizar bons negócios. Por isso, recomendo aos empresários que sejam criteriosos e rigorosos na escolha de suas equipes e estejam preparados para investir nestes talentos o tempo suficiente para que possam mostrar a que vieram.
Ao profissional de vendas, falta-lhe a percepção de valor, às vezes intangível, presente nas ações corporativas engendradas pela empresa. Reconhecer os esforços feitos e os investimentos realizados em termos de ambiente, qualificação e capacitação. Observar que há outros departamentos na empresa, prioridades diversas e um fardo representado pela elevada carga tributária e juros extorsivos. E compreender que o negócio somente se torna perene quando rentável.
Quando os dois lados, empresário e vendedor, passarem a enxergar sob outra ótica e a ouvir outras vozes, respeitando-se mutuamente, ainda será preciso que eles se lembrem de que apenas ofertando produtos e serviços diferenciados, prestando atendimento personalizado e superando expectativas, ou seja, apenas respeitando os interesses do cliente, será possível prosperar.
Tom Coelho, com formação em Economia pela FEA/USP, consultor, professor universitário, escritor e palestrante. Visite: www.tomcoelho.com.br
Fonte: empreender para todos
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