Advertisement

Responsive Advertisement

Coluna do Marco - A Arte de Curtir o Pôr do Sol


A Arte de Curtir o Pôr do Sol

Tem algumas coisas que realmente marcam na memória da gente, uma das tantas que me lembro era quando minha avó, viuvinha com seus inimagináveis 48 aninhos, ia se encontrar com seu namorado nos idos dos anos 70 e como eu ia acompanhando algumas vezes ela me orientava para os encontros “Qualquer coisa você é meu sobrinho, me chame sempre de tia...”
Tempos depois ela me disse que ele, o namorado, sabia que eu era seu neto, o que ela queria mesmo era manter a imagem de mulher nova. Interessante que a aparência mais jovem ela sempre teve, tanto que conservou a idade declarada de 55 anos por pelo menos uns 10.
Hoje nem imagino a situação dos vovôs de antigamente, aqueles seres arqueados pelos anos vividos e sem disposição para muita coisa e ficavam no revezamento com o controle remoto na mão sem paradeiro em nenhum canal, provavelmente desmotivado pelo enfado das informações as quais estava banguela de ouvir, parecia um eterno “repeteco” de coisas, Oh como deve ser duro e enfadonho saber com toda convicção onde vai dar o fim da estrada

Noutra oportunidade, na praça com os amigos jogando dominó ou damas e sentindo o perfume das meninas e se vangloriando do quanto já foi bom naquilo.

Mesmo havendo esta visão dos vovôs de outrora, minha avó era uma mulher a frente do seu tempo, era uma senhora viúva e madura que ia encontrar com o namorado, e permaneceu assim durante muitos e muitos anos, em uma época em que a maioria das avós que eu conhecia e até mamães viúvas tinham, como diziam antigamente “apagado o facho” e passavam a vida entre cozidos e bordados.

Estou de viagem marcada para o aniversário da minha vovó que deverá completar noventa verões aqui na face deste planeta neste fim de ano. Pedi a ela, apesar de saber que isso não depende em nada de sua vontade, nem minha, que não me deixe sem que eu possa apagar as velinhas juntos. Espero que ela me aguarde para seu aniversário e que eu não a visite uma vez mais somente nas minhas lembranças.

Acho intrigante a abordagem que minha vovó sempre deu a velhice, faz uns vinte anos que ela começou a se preocupar com este fato, e dizia “Quando eu envelhecer...”, “Se eu ficar velha...” e assim os anos se passaram e o fato ocorreu, parece que foi do dia pra a noite, não me lembro de quando minha querida Maria envelheceu, mas agora tenho absoluta convicção que isso aconteceu.

De minha parte, me miro no espelho e quando faço isso de forma profunda, olhando bem fixo em meus olhos, consigo ver a criança que um dia fui e que ainda sou. Porém isso só acontece no fundo dos olhos, uma visão mais geral quando abro a angular da retina e enxergo o todo do meu rosto, cabelos, mãos e demais partes do corpo, vejo que definitivamente não sou mais o mesmo. O tempo tem esta capacidade de me incomodar algumas vezes. Sei que ele é o remédio de todas as dores, que alivia dos nossos pensamentos as lembranças de coisas ruins, cicatriza coração e alma das feridas causadas pelo caminhar nesta terra, mas também tenho por certo que é ele também o motivo de todas as dores, criando e devorando os próprios filhos numa roda incessante a seguir e a seguir.

Aprisiono o tempo por alguns instantes em minha mente e consigo ver pessoas, lugares, fatos, lembrança do ocorrido na noite 12 de fevereiro de 1974 em Cubatão, na tarde de 21 de Abril de 1985 em Santos, na madrugada de 1 de Janeiro de 2009 em João Pessoa... Tantas outras datas, tantos outros lugares.

Olho no relógio, as horas passaram, o tempo foi em frente e nenhuma destas datas ou locais ou pessoas são verdadeiramente reais, somente o aqui e agora e os ponteiros implacáveis dos relógios. Tic, tac, tic, tac, tic, tac...

E assim seguem os minutos, horas, dias, anos...

Filosofo... A vida após a morte para mim é isso, um tempo que se vai e outro chega, um círculo que se fecha para outro iniciar. Não analiso como o eterno continuar, mas acredito sim, que ao findar um dia aquilo que fomos ontem ficou lá mesmo no ontem, não é mais nosso e o lembrar das agruras e alegrias do dia, dos dias anteriores, estamos reproduzindo uma vida que não nos pertence mais. Isso no meu entender é a memória de vidas passadas. No entanto quem morre não somos nós fisicamente, mas o que nós vivemos num tempo e espaço. Os cenários e pessoas mudam e a nossa história, mesmo que pareça continuada não é mais a mesma.

Claro que nem de longe estou preconizando o renascer de uma nova crença, são tantas as explicações tão bem engendradas pelos pastores, padres, babalorixás, arquimandritas, espíritas, filósofos etc...

Então por que logo eu, uma criança do ontem se atreveria ir à praça trazer alguma reposta, um boa nova, a resposta para um novo amanhã? Estou fora digo eu, assim como certamente iria dizer o finado Raul Seixas.

As coisas me incomodam e me fazem pensar, o tempo me incomoda muito e me faz pensar na mesma proporção. Reconheço por vezes que é pura perda de tempo tentar entender o tempo.

Para quê tentar entender isso, talvez o melhor que eu deva fazer seja envelhecer sem perceber, um dia, depois outro, levar no coração e na mente as emoções das vidas vividas e passadas e assistir o final do dia, na hora do pôr do sol, como quem aguarda e deseja uma nova vida surgir no dia que se seguirá.

E assim fazendo todos os finais de tarde até quando eu não mais me reconhecer jovem, assim como minha vovó Maria, me sentirei preparado e viverei tranquilamente sem sobressaltos meu último pôr do sol.


Marco Antonio
Administrador e escrevinhador

Postar um comentário

0 Comentários